- Caminhos e Fronteiras:
A Imensidão e o Limite (10/10/2001)
Sérgio Buarque de Holanda.
O livro "Caminhos e Fronteiras" de Sérgio Buarque de Holanda foi
editado pela primeira vez em 1956 mas os textos que compõem os seus
capítulos foram editados em periódicos e palestras que o autor escreveu
e pronunciou desde 1949.
A obra de Sérgio Buarque de Holanda insere-se no campo da história
com a publicação, em 1936, de "Raízes do Brasil," na tentativa de
uma geração que buscava explicar o Brasil, um país que se compunha
a revelia da modernidade e que projetava-se para o futuro com as
nódoas adquiridas na formação de seu passado colonial. Explicações
a partir de um passado total, com respostas generalizantes, próprias
do momento de transformação em que a decadência da oligarquia cafeeira
convivia com o turbilhão industrializante e absorvida, incorporava
ao seu ideal de permanência os projetos da Revolução de 1930.
Obra primeira, "Raízes do Brasil" fora muito mais um grande ensaio
onde, no dizer da professora Maria Odilla, "só os quatro primeiros
capítulos seriam históricos" na acepção da palavra, vinculando-se
a obras muito mais a inquietação de uma geração brilhante, indignada
com os rumos de seu país. "Caminhos e Fronteiras" não, nesse livro
é o historiador maduro que passeia com brilhantismo pelas fontes
documentais e pelos registros dos inúmeros viajantes que por essas
terras estiveram, e são tantos os citados que temos a impressão
que só quem souber ler com desenvoltura o Alemão e o Inglês poderá
realmente ter oportunidade de escrever uma história consistente
do nosso passado colonial.
Os livro se divide em três grandes capítulos, que por sua vez se
subdividem em outros pequenos capítulos, esmiuçando as particularidades
de uma cultura material. Cultura material essa que se foi compondo
a partir da absorção, pelos colonos portugueses que se instalaram
na região do planalto Piratininga, dos modos e padrões de vida dos
indígenas que se encontravam na região.
É a partir dessa absorção, dessa forma de interagir e instrumentalizar
o conhecimento dos naturais da terra, como também da repercussão
desses fenômenos na criação de uma cultura tipicamente Paulista,
que o autor projeta a construção de uma "civilização" que abandona
muito das formas de agir e pensar européias, muito dos hábitos trazidos
do além mar para incorpora formas e atitudes de uma cultura subalterna
ao olhos do europeu. Nesse caminho o autor busca demonstra como
só através desse processo esses colonos puderam sobreviver em um
ambiente tão inóspito e criar uma forma de viver totalmente impar
no cenário colonial.
Sérgio Buarque escolheu especificar cada detalhe dessa absorção
e por essa trilha o livro divide-se em: "ÍNDIOS E MAMELUCOS", seu
primeiro grande tema; "TÉCNICAS RURAIS", o segundo; e "O FIO E A
TEIA", o tema final.
No primeiro tema, "Índios e Mamelucos" o título já nos remete a
influência e a miscigenação. Suas subdivisões tratam da forma como
se deu a integração dessa população com o sertão e como essa só
foi possível a partir das técnicas de sobrevivência e locomoção
aprendidas com os índios. Dessa forma são levantadas desde quais
eram os tipos de utensílios de caça e pesca até as maneiras como
eram marcadas as picadas ( com cortes feitos nas árvores ou com
pequenos gravetos colocados onde só um olhar treinado poderia perceber)
para não se perderem dentro da mata ou para indicar pouso seguro
e água boa. Como e porque, na caça, o arco e a flecha substituíram
as armas de fogo; como a introdução do anzol de metal transformou
as formas de pesca e como essa forma de obtenção de alimento foi
importante para essa região. A explanação passa por sub-capítulos
que se detém a examinar as formas de obtenção de mel, a relação
com as abelhas e suas colmeias, as formas de extração como também
a importância desse tipo de alimento em lugares agrestes, onde só
a partir dele foi possível sobreviver.
Os tipos de remédios naturais, as formas como foram empregados e
a persistência de muitos dessas práticas no mundo rural do interior
de São Paulo ainda na década de 1950. Analisa também a alimentação
básica dos colonos e como essa foi enriquecida pelos gostos "exóticos"
da culinária indígena.
A relação com o "negro da terra" (o índio) é colocada como a grande
propiciadora da sobrevivência do povo do planalto como também um
dos fatores de maior importância no processa de ocidentalização
do território colonial que se deu a partir de São Paulo. Analisa
o impacto da descoberta do ouro a partir das bandeiras de apresamento
de índios para a região, o deslocamento da população masculina e
como ela foi levada, nesse período, a tornar-se quase que totalmente
uma terra de mulheres e crianças. O impacto que esse fenômeno causou
a cultura do lugar. A relação com as outras regiões da Colônia,
principalmente o Sul e o Centro Oeste e a transformação que o movimento
das monções gerou nessa população. No dizer de Sérgio, estaria ai
o fim de uma raça e a introdução de outra tipo de mentalidade que,
"quase capitalista" na sua ligação com o comércio, teria transformado
aquele Paulista individualista, aventureiro, autônomo e indisciplinado
que cruzava as regiões essencialmente a pé, em um tipo preocupado
com o comércio e o lucro, encrustrado em canoas carregadas de mantimentos
a deslizar pelos rios, vinculado a uma certa ordem e hierarquia
severa que essa prática exigia".
Importante realçar que nessa passagem sobre as Monções Sérgio Buarque
destrói o mito que o rio foi o grande veículo de expansão territorial
dos Paulista, dizendo que só na fase das Monções é que a navegação
fluvial foi realmente a maneira mais corrente de deslocamento e
transporte. Até então esses homens percorriam as grandes distâncias
a pé e descalços. O desbravador que ele nos monstra vai em direção
contraria ao mito bandeirante forchado pela história oficial.
Na segunda parte, "Técnicas Rurais", o autor trata da utilização
de novas e antigas técnicas de agricultura, o tipo de aproveitamento
dado aos alimentos na região de São Paulo e como essas técnicas
foram absorvidas ou transformadas pela cultura local.
Como se deu a preferencia pelo milho como alimento central na culinária
paulista. A formas de construção de fornos, principalmente o forno
Catalão, as origens dessa técnica e como ele era utilizado. Nesse
mesmo sentido o autor disserta sobre o Monjolo, tipo de pilão manual
ou movido a água, que era utilizado para socar milho. Discute de
onde teriam se originado os que aqui foram introduzidos e como esses
aparecem nos inventários e testamentos da época. A pouca utilização
do arado gerando, de certa forma, um retrocesso nas técnicas agrícolas
que os colonos portugueses já detinham na metrópole. Porque isso
se deu, a discussão sobre o comprimento da lamina que, introduzindo-se
muito fundo na terra, não seria propicia as regiões tropicais onde
a fertilidade estaria na superfície. Descreve como essa observação
se propaga durante muito tempo entre os colonos e aparece nos registros
de viajantes.
Na terceira e ultima parte do livro, "O Fio e a Teia", Sérgio Buarque
de Holanda discute a introdução do plantio e manufatura do algodão
na região paulista no período colonial. As origens e técnicas trazidas
de Portugal, a introdução destas pelos jesuítas nas missões. Como
estas foram adaptadas a realidade colonial e como se tornou, nos
primeiros anos, um trabalho feito essencialmente por índios catequizados.
A relação dos nativos com o trabalho, seu desinteresse e o desinteresse
da própria população que herdara da Metrópole a representação invergonhante
do trabalho manual. Os tipos de fiação, a evolução do descaroçador
de algodão e como isso propiciou um aumento na produção de tecido.
A tecelagem como o um forma tipicamente caseira. A produção de redes
e a importância que, pela sua praticidade, esta teve para uma população
que estava permanentemente em movimento. Como essa foi absorvido
pelos colono e converteu-se em utensílio padrão dentro do cotidiano
da população do Planalto.
O título, "Caminhos e Fronteiras", metáfora brilhante, como já
realça Fernando Novaes na sua introdução à terceira edição do livro
( 1995), faz parte da introdução/explicação de Sérgio Buarque de
Holanda. O título é o que amarra as partes e os capítulos dessa
obra.
Mais que indicar veredas e picadas os caminhos a que o autor se
refere são o próprio ato do movimento. A construção de uma civilização,
a "civilização mameluca", como ele denomina, que se fez no deslocar-se
constante e na busca de terras desconhecidas pelo colonizador. Sérgio
realça a importância que o processo de expansão da população que
se implantou no auto da serra do mar teve para a ocidentalização
da Colônia e como esse processo, intenso e constante, moldou uma
raça de homens diferentes daqueles que se colocaram na orla e buscaram
seus interesses vinculados ao além mar. Como essa profunda associação
com o interior influenciou toda uma forma de viver e adaptar-se
a um ambientes inóspito e avesso ao europeu.
Da mesma forma o termo "Fronteiras" não representa nessas paginas
os limites meramente geográficos que esses homens ultrapassaram,
ainda que esses sejam imprescindíveis para a compreensão dos processos
de formação de um cotidiano totalmente impar no universo colonial
do império português. Ele diz respeito a limites, mas aos limites
da cultura, tanto daquela trazida pelo colono como daquela encontrada
nos trópicos. Diz respeito a capacidade de ultrapassar esses limites
e incorporar outros, fundindo ao cotidiano desses colonos e as gerações
que deles herdaram, técnicas, formas e hábitos que permitissem a
permanência, o deslocamento e a sobrevivência.
O caminho seguido por Sérgio Buarque na década de 50 é um caminho
inovador. A partir da cultura material e dos fundamentos dessa cultura
em uma herança indígena, recuperada com uma riqueza de fontes e
referências, ele introduz uma nova forma de abordagem históriográfica.
Lidando com um seara tão árida como o é essa da cultura material,
com o brilhantismo de seu estilo, Sérgio Buarque de Holanda deixou-nos
um texto extremamente prazeroso de ser lido até para aqueles que
não façam da história seu objeto de estudo.
Não fiz uma pesquisa aprofundada e não estou aqui comparando trabalhos
mas, a que se notar, que o famoso estudo de Fernand Braudel sobre
civilização material, "Civilização Material e Capitalismo", foi
editado só em 1967, portanto, dez anos depois de "Caminhos e Fronteiras".
por Jorge de Almeida Francisco
-
Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo.
Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte, Editora
Autêntica, 1999.
Tomaz Tadeu da Silva é professor do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e autor de
vários livros na área de Educação e Estudos Culturais.
Certamente é um importante trabalho para nós, professores de história
do ensino Médio e Fundamental, em tempos de "reforma educacional"
e de neoliberalismo.
Um livro essencial de consulta e estudo para todas as pessoas que
se dispõem a ver o currículo sem o mesmo olhar inocente de antes.
-
História: análise do passado e projeto social.
Josep Fontana. Bauru/SP, EDUSC, 1998.
Historiador catalão que propõe aos historiadores uma saída da
crise teórico-epistemológica dos dias atuais.
-
Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue: a rebelião dos escravos
de Demerara em 1825.
Emília Viotti da Costa. São Paulo, Companhia
das Letras, 1998.
Professora, livre docente da USP, aposentada pelo AI5 em 1969,
foi para os EUA, onde leciona na Universidade de Yale.
-
Reflexões sobre o Saber Histórico: entrevistas com Pierre Vilar,
Michel Vovelle e Mandeleine Rebérioux.
Marcia Mansor D’Alessio. São Paulo, Editora
da Unesp, 1998.
Nas palavras do professor de história da UFF, Ciro Flamarion, "é
reconfortante ler respostas inteligentes de historiadores que não
estão inseridos na "Nova História", tendência na qual a insistência
é muito exagerada em certos ambientes universitários de nosso país..."
Folha de S. Paulo 14/11/1998. Jornal de Resenhas, p. 9
-
Fim de Milênio: uma história dos calendários, profecias e catástrofes
cósmicos.
Bertília Leite e Othon Winter, Rio de Janeiro,
Jorge Zahar Ed. 1999.
-
Os Meus Romanos: Alegrias e Tristezas de uma Educadora Alemã no
Brasil.
Ina von Binzer, São Paulo, Paz e Terra. 1994.
Como era a vida no Brasil do final do Império? Qual a visão que as
pessoas tinham de si mesmas? Como um viajante estrangeiro percebia
uma sociedade ainda em seus primeiros passos no "mundo moderno"? Essas
são algumas das perguntas respondidas por Ina von Binzer, uma das
muitas professoras européias contratadas para educar filhos de fazendeiros
no Brasil. Como resultado de suas experiências no Brasil entre 1881
e 1884, escreveu este livro que simplesmente prende a atenção do leitor.
Usando o pseudônimo de Ulla von Eck, a autora escreve uma série de
cartas para sua amiga Grete na Alemanha, contando-lhe cada detalhe
de sua rotina, seu trabalho como professora, os alunos, as escolas,
os escravos, as festas, tudo o que possa parecer interessante a uma
amiga que apenas sabe do Brasil por relatos de outros escritores viajantes.
Ulla não se preocupa em ocultar detalhes talvez banais para a época
pois quer mostrar a Grete as grandes diferenças de comportamento e
ambiente encontradas no Brasil. E são esses detalhes banais do cotidiano
que tornam o livro tão rico para quem quer conhecer melhor a história
dessa época.
E engana-se quem pensa que, sendo ainda moça (tinha apenas 22 anos
quando veio ao Brasil), ela tenha se omitido das questões sociais,
políticas ou econômicas. Ao longo das cartas pode-se ver diversas
críticas ao sistema escravista, no qual aponta pontos negativos e
positivos, descrições da vida social da elite e também questiona a
convicção republicana de muitos.
Resumindo, trata-se de uma leitura divertida e educativa que pode
ser habilmente explorada pelo professor, trabalhando questões como
trabalho escravo, influência européia no Brasil, fim do Império ou
comparações entre a visão de um estrangeiro da época e de hoje.
O livro é editado pela Paz e Terra e pode ser encontrado numa edição
bilíngüe (alemão/português) nas livrarias, ou ainda ser comprado via
Internet.
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