Aqui deixaremos à sua disposição algumas sugestões de atividades para sala de aula em diversos níveis. Você também poderá colaborar com esta seção, dando opiniões, críticas e sugestões. Talvez você tenha mais alguma aplicação interessante para uma de nossas atividades. Ou talvez você tenha alguma atividade que aplicou e gostou e que seria interessante divulgar para outras pessoas. Pois este é o espaço para isso.
Para começar, temos aqui três módulos que estudam a questão indígena, cuidadosamente elaborados pelos professores Cláudio Vicentino e Gilberto Cotrim. Aproveite, porque essas atividades não estão nos livros.
Sugestão de Atividades em Sala de Aula
1- PRESENTE/PASSADO
"Leia atentamente o interessante texto do Jornalista Roberto Pompeu de Toledo e depois responda às questões."
Anchieta e Nóbrega na reunião da CNBB
Suponha-se que os padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega comparecessem à reunião que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil realizará em abril. A reunião, aproveitando o quinto centenário do Descobrimento, debaterá um pedido de perdão pelos erros cometidos pela Igreja no processo de colonização do Brasil, em especial com relação aos índios e aos negros. "Estão de acordo em que houve erro?", seria perguntado aos célebres jesuítas.
"Mas certamente muito pouco fruto se teria colhido se a força e o braço secular não tivessem acudido para domá-los (os índios) e submetê-los ao jugo da obediência", objetaria Anchieta. Constrangimento. Sussurros na sala. Anchieta volta à carga: "Para este gênero de gente não há melhor pregação do que espada e vara de ferro". Exclamações de "oh", protestos. O padre Nóbrega sai em socorro do pupilo: "Era uma espécie de gente de condição mais de feras bravias que de gente racional".
Diante de tamanho desatino, só mudando de assunto. Um dos presentes tem a idéia de perguntar a Nóbrega o que se poderia fazer para melhorar a situação no colégio que fundara na Bahia. O padre faz uma pausa, depois responde: "A melhor coisa que se podia dar a este colégio seria duas dúzias de escravos da Guiné, machos e fêmeas, para fazerem mantimentos em abastança para a casa, enquanto outros andariam em um barco pescando".
Era o que faltava. Escândalo. O primeiro provincial dos jesuítas no Brasil, plantador de cidades, protagonista na fundação de São Paulo e coadjuvante nas de Salvador e Rio de Janeiro, é convidado a retirar-se. Anchieta acompanha-o. À guisa de consolo, vai lembrando quão ignorantes são esses interlocutores de cinco séculos adiante. Não sabem nada. Não sabem, por exemplo, que "os índios têm por sumo deleite comer-se uns aos outros". Anchieta revolta-se. "O sereníssimo Rei de Portugal", murmura, "saberá mandar para aqui uma força armada e numerosos exércitos, que dêem cabo de todos os malvados que resistam à pregação do Evangelho".
A reunião é inventada, mas as citações de Nóbrega e Anchieta são reais. Foram extraídas da copiosa correspondência deixada por eles e transcritas apenas com ligeiras adaptações. Ou melhor: inventada é a participação dos dois jesuítas na reunião da CNBB, pois a reunião ocorrerá mesmo. Nela, ao fazer uma "retrospectiva sobre esses cinco séculos de atuação evangelizadora". A CNBB "deverá pedir perdão por atitudes ambíguas e pecaminosas de pessoas ou grupos dentro da Igreja, por vezes decorrentes de conivências com os colonizadores, no processo de evangelização" (artigo de Dom Cláudio Hummes no jornal O Estado de S. Paulo, 8/3/2000). Tudo muito agradável às platéias atuais, muito politicamente correto, até generoso — mas um tanto surrealista e parcial.
Surrealista porque, um pouco à moda dos diálogos inventados acima, só que a sério, arma-se uma salada de tempos históricos diversos. Usam-se a mentalidade e a ética de hoje para julgar os procedimentos de homens de outra mentalidade e outra ética. Condená-los hoje, pelos critérios atuais, por pensar o que pensavam e fazer o que faziam, é como condená-los por insistirem em viajar em caravelas em vez de tomar logo um avião. Parcial porque, no limite, toda evangelização viola de alguma forma a pessoa humana, e não apenas a efetuada segundo os métodos dos séculos XVI ou XVII. Evangelizar, ou catequizar, é querer impor sua verdade ao outro. É convidar o outro, ao adotar todo um novo sistema de crenças e valores, a destruir aquele no qual se formou, com os resultados desestabilizadores que se conhecem em sua estrutura emocional e na vida social. Se é o caso de questionar a evangelização, por que só a do período colonial? [...].
Roberto Pompeu de Toledo. 15/03/2000 — Veja
Questões:
- Na reunião inventada pelo autor (Nóbrega e Anchieta na CNBB) qual o conflito de posições que se estabelece?
- Pesquise o conceito de anacronismo. Utilize trechos do texto que condenam o anacronismo.
- Você concorda que "evangelizar" ou "catequizar" é sempre um ato de imposição de valores?
- Responda à pergunta feita pelo autor na última frase do texto: "Se é o caso de questionar a evangelização, por que só a do período colonial?".
2- ENCONTRO E DESENCONTROS
O jesuíta Antonio Ruiz de Montoya escreveu Conquista Espiritual, livro que foi publicado em Madri, em 1639. O título original, Conquista Espiritual Hecha por los Religiosos de la Compañia de Jesus en las Provincias del Paraguay, Parana, Uruguay y Tape, ganhou a seguinte tradução para o português: Ruiz de Montoya, Antonio. Conquista Espiritual Feita pelos Religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape (Porto Alegre: Martins Livreiro), 1997, 2ed. As indicações para este "sala de aula" apoiaram-se nos comentários sobre Montoya do seguinte artigo: Kern, Arno Alvarez. "Tradição e Transformações Históricas nas Fronteiras Coloniais: Jesuítas, Guaranis e Sexualidade" in História: Fronteiras (Florianópolis: Simpósio Nacional da Associação Nacional de História, São Paulo: Humanitas/FFLCH-USP: ANPUH), 1999 p. 261.
Na descrição de Montoya sobre a sua chegada na área colonial e missioneira (Guairá ou Guaíra) transbordam as posições contrastantes sobre o encontro com os guaranis:
"Vivi [...], por assim dizer, no deserto, em busca de feras, de índios bárbaros, atravessando campos e transpondo selvas ou montes, em sua busca para agregá-los ao aprisco da Santa Igreja e ao serviço de Sua Majestade. E de tais esforços, unidos aos de meus companheiros, consegui o surgimento de treze "reduções" ou povoações. Foi, em suma, com tal afã, fome, desnudez e perigos freqüentes de vida, que a imaginação mal consegue alcançar. Certo é que nessa ocupação exercida parecia-me estar no deserto. Porque, ainda que aqueles índios que viviam de acordo com seus costumes antigos em serras, campos, selvas e povoados, dos quais cada um contava de cinco a seis casas, já foram reduzidos por nosso esforço ou indústria a povoações grandes e transformados de gente rústica em cristãos civilizados com a contínua pregação do Evangelho. Porque, digo, com tudo isso, por [...] estar obrigado por força das circunstâncias a sempre lidar com o idioma índio, veio a formar-se em mim, um homem quase rústico e alheio à cortesia da linguagem".
A conquista espiritual teria sido a salvação indígena?
Primeiro Passo: Apresentar aos alunos o texto acima (no quadro, impresso, transparência, etc.) fazendo uma leitura conjunta cuidadosa para a compreensão do texto, firmando condições para as discussões seguintes.
Segundo Passo: Problematizar passagens do texto, destacando o contexto histórico, atraindo a atuação dos alunos para posicionamentos e participação. São várias as afirmações com claro sentido "civilizador" pretendido pelo colonizador dos "espíritos", firmando a posição de conquistador/superior.
Entre outras passagens com forte sentido discriminador frente o "Outro" nativo, possíveis de serem questionadas estão: "deserto", "índios bárbaros", "gente rústica", "cristãos civilizados", "alheio à cortesia", etc. Discutir com os alunos tais passagens abre possibilidades para relacionar com outras discussões já desenvolvidas com os alunos, seja durante o ano ou em anos anteriores. Exemplo disso é resgatar debates já efetuados sobre outros temas, como Pré-História (primitivo x civilizado; pré-história x história; atrasado x desenvolvido; desenvolvimento linear progressista; bárbaros x civilizados; eurocentrismo, etc.), Gregos e os "bárbaros" persas, civilizações clássicas e Ocidente x Oriente; cristãos x infiéis; "guerra santa"; "processo civilizador"; "descoberta" da América e do Brasil; etc.
Como fechamento dessa parte da discussão, o professor passaria para os resultados da colonização, da escravização e genocídio indígena, destacando os números de mortos, a dizimação da população indígena e comentários sobre a atual situação dos seus remanescentes. Sugiro terminar tal encaminhamento com a seguinte pergunta aos alunos: os índios brasileiros de hoje, têm por que comemorar os 500 anos do Brasil?
Conseguir com os alunos as suas respostas pessoais por escrito certamente serviria para uma melhor avaliação, municiando o professor para um aprimoramento em outras atuações.
3- DESENCONTROS e DOMINAÇÃO: OUTRA SUGESTÃO
Para alunos da 8ª série do Ensino Fundamental e para os alunos do Ensino Médio, valeria avançar para outras questões, como a nudez indígena, contando com o seguinte texto de Arno Alvarez Kern citado acima, comentando afirmações de Montoya:
"NUDEZ"
É neste documento que encontramos a mais antiga observação dos jesuítas em relação à nudez dos indígenas guaranis nesta região do Guairá e a necessidade de cobri-la com vestes de algodão.
Note-se que chamamos "Reduções" aos "povos" ou povoados de índios que, vivendo à sua antiga usança em selvas, serras e vales, junto a arroios escondidos, em três, quatro ou seis casas apenas, separados uns dos outros em questão de léguas duas, três ou mais, "reduziu-os" à diligência dos padres e povoações não pequenas e à vida política (civilizada) e humana, beneficiando algodão com que se vistam, porque em geral viviam na desnudez, nem ainda cobrindo o que a natureza ocultou.
Em outros trechos do diário, destaca a necessidade de terem os indígenas:
"[...] ganhos, para alcançarem o necessário de se vestirem. Isso para que a nudez não lhes seja desculpa em deixarem de entrar nos templos (como às vezes sucede) e de não ouvirem a palavra divina".
Ao introduzirem na região a tecnologia disponível na Europa, os missionários utilizaram-se do arado para ampliar a intensidade de produção de certos produtos, tendo em vista que o número de habitantes reunidos nos povoados missioneiros podia chegar a seis mil guaranis. Um destes produtos foi algodão nativo da América, já produzido de maneira limitada na horticultura indígena, em parte para atender às novas necessidades de controlar a nudez indígena:
"Tem-se aqui a veste e o traje que, ao nascer, concede a natureza ao ser humano, sendo necessário da parte dos padres um cuidado solícito em fazer cobrir o que possa ofender a olhos castos. Por outra, faz-se preciso o desvelo e afã contínuo em arranjar-lhe lã, pano grosseiro e algodão. E, para que com conveniência a este os índios o semeiem, ensinaram-nos os próprios padres, por suas mesmas pessoas, a abrirem com o arado a terra: coisa nova para eles, mas bem sucedida".
Nas concepções da religião cristã, tanto o corpo como a mente têm interpretações distintas a atributos diferenciados, em termos qualitativos. "A mente é canonicamente superior à matéria" e deve, portanto, ser, juntamente com a consciência, "guardiões e governantes do corpo". Essa idéia de subordinação do corpo à mente, "degrada o corpo; seus apetites e desejos são encarados como cegos, obstinados, anárquicos ou (no Cristianismo) radicalmente pecaminoso pode ser encarado como a prisão da alma" (Porter, Roy. "História do Corpo" in Burke, Peter (org.). A Escrita da História: Novas Perspectivas (São Paulo: Unesp). 1992. p. 303 e 310).
Percebe-se como essas noções podem levar a um policiamento da nudez corporal dos Guarani, por meio da vestimenta. No texto de Montoya fica claro como o controle do corpo por intermédio do vestuário está associado à vida civilizada, tanto nos povoados como nas cidades. Entretanto, como sabemos que no espaço social o corpo existe em relação a outros corpos, podemos imaginar que a nudez, principalmente a das indígenas, não era apenas um problema moral, considerado grave pelos jesuítas. A exposição do corpo era também a fonte de constantes problemas de consciência para os próprios missionários.
No espaço social das aldeias guaranis, os corpos dos indivíduos não eram estruturas constituídas apenas de elementos biológicos, mas igualmente sociais e culturais, relacionando-se entre si. Assim, as formas naturais dos corpos dos indígenas associavam-se às pinturas corporais e aos demais objetos utilizados para a sua decoração, sobretudo os cocares e os colares. Estas estruturas complexas que eram os corpos tornavam-se, portanto, fontes de formas e de símbolos para outros corpos, igualmente estruturas complexas. As visões que o missionário tinha do corpo indígena, ao mesmo tempo nu e decorado com cores vivas, projetavam simbolicamente o imaginário e o inconsciente dos missionários europeus: "Se de um lado o corpo é objeto de desejo e prazer, de outro ele é reprimido pelos valores morais dominantes e pelas funções sociais que este deve exercer" (Kern, M.L.; Zielinski, M. e Cattani, I. B. Espaços do Corpo. Editora da UFRGS, 1995 29 e 30).
Possibilidade de atuação: o texto acima poderia servir para discutir a questão do corpo, da nudez, do pecado, do controle, etc. nas relações jesuítas e índios durante a colonização, reforçando as questões do desencontro/dominação que pautaram as relações coloniais. Ao professor caberia, para a 8ª série e Ensino Médio, fazer uso de parte do texto de Arno Alvarez Kern, acrescentando encaminhamentos e pontos de chegada.
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