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Proposta para reflexão sobre o livro didático.

        

  1. Debate de setembro de 2007.
  2. Debate de setembro de 2001.





1. Debate de setembro/outubro de 2007

1- Artigo do Ali Kamel 
Jornal O GLOBO 18/set/2007 criticando o livro do Mário Schmidt


OPINIÃO
O que ensinam às nossas crianças
Ali Kamel


Não vou importunar o leitor com teorias sobre Gramsci, hegemonia, nada disso. Ao fim da leitura, tenho certeza de que todos vão entender o que se está fazendo com as nossas crianças e com que objetivo. O psicanalista Francisco Daudt me fez chegar às mãos o livro didático "Nova História Crítica, 8ª série" distribuído gratuitamente pelo MEC a 750 mil alunos da rede pública. O que ele leu ali é de dar medo. Apenas uma tentativa de fazer nossas crianças acreditarem que o capitalismo é mau e que a solução de todos os problemas é o socialismo, que só fracassou até aqui por culpa de burocratas autoritários. Impossível contar tudo o que há no livro. Por isso, cito apenas alguns trechos.

Sobre o que é hoje o capitalismo: "Terras, minas e empresas são propriedade privada. As decisões econômicas são tomadas pela burguesia, que busca o lucro pessoal. Para ampliar as vendas no mercado consumidor, há um esforço em fazer produtos modernos. Grandes diferenças sociais: a burguesia recebe muito mais do que o proletariado. O capitalismo funciona tanto com liberdades como em regimes autoritários."

Sobre o ideal marxista: "Terras, minas e empresas pertencem à coletividade. As decisões econômicas são tomadas democraticamente pelo povo trabalhador, visando o (sic) bem-estar social. Os produtores são os próprios consumidores, por isso tudo é feito com honestidade para agradar à (sic) toda a população. Não há mais ricos, e as diferenças sociais são pequenas. Amplas liberdades democráticas para os trabalhadores."

Sobre Mao Tse-tung: "Foi um grande estadista e comandante militar. Escreveu livros sobre política, filosofia e economia. Praticou esportes até a velhice. Amou inúmeras mulheres e por elas foi correspondido. Para muitos chineses, Mao é ainda um grande herói. Mas para os chineses anticomunistas, não passou de um ditador."

Sobre a Revolução Cultural Chinesa: "Foi uma experiência socialista muito original. As novas propostas eram discutidas animadamente. Grandes cartazes murais, os dazibaos, abriam espaço para o povo manifestar seus pensamentos e suas críticas. Velhos administradores foram substituídos por rapazes cheios de idéias novas. Em todos os cantos, se falava da luta contra os quatro velhos: velhos hábitos, velhas culturas, velhas idéias, velhos costumes. (...) No início, o presidente Mao Tse-tung foi o grande incentivador da mobilização da juventude a favor da Revolução Cultural. (...) Milhões de jovens formavam a Guarda Vermelha, militantes totalmente dedicados à luta pelas mudanças. (...) Seus militantes invadiam fábricas, prefeituras e sedes do PC para prender dirigentes "politicamente esclerosados". (...) A Guarda Vermelha obrigou os burocratas a desfilar pelas ruas das cidades com cartazes pregados nas costas com dizeres do tipo: "Fui um burocrata mais preocupado com o meu cargo do que com o bem-estar do povo." As pessoas riam, jogavam objetos e até cuspiam. A Revolução Cultural entusiasmava e assustava ao mesmo tempo."

Sobre a Revolução Cubana e o paredão: "A reforma agrária, o confisco dos bens de empresas norte-americanas e o fuzilamento de torturadores do exército de Fulgêncio Batista tiveram inegável apoio popular."

Sobre as primeiras medidas de Fidel: "O governo decretou que os aluguéis deveriam ser reduzidos em 50%, os livros escolares e os remédios, em 25%." Essas medidas eram justificadas assim: "Ninguém possui o direito de enriquecer com as necessidades vitais do povo de ter moradia, educação e saúde."

Sobre o futuro de Cuba, após as dificuldades enfrentadas, segundo o livro, pela oposição implacável dos EUA e o fim da ajuda da URSS: "Uma parte significativa da população cubana guarda a esperança de que se Fidel Castro sair do governo e o país voltar a ser capitalista, haverá muitos investimentos dos EUA. (...) Mas existe (sic) também as possibilidades de Cuba voltar a ter favelas e crianças abandonadas, como no tempo de Fulgêncio Batista. Quem pode saber?"

Sobre os motivos da derrocada da URSS: "É claro que a população soviética não estava passando forme. O desenvolvimento econômico e a boa distribuição de renda garantiam o lar e o jantar para cada cidadão. Não existia inflação nem desemprego. Todo ensino era gratuito e muitos filhos de operários e camponeses conseguiam cursar as melhores faculdades. (...) Medicina gratuita, aluguel que custava o preço de três maços de cigarro, grandes cidades sem crianças abandonadas nem favelas... Para nós, do Terceiro Mundo, quase um sonho não é verdade? Acontecia que o povo da segunda potência mundial não queria só melhores bens de consumo. Principalmente a intelligentsia (os profissionais com curso superior) tinham (sic) inveja da classe média dos países desenvolvidos (...) Queriam ter dois ou três carros importados na garagem de um casarão, freqüentar bons restaurantes, comprar aparelhagens eletrônicas sofisticadas, roupas de marcas famosas, jóias. (...) Karl Marx não pensava que o socialismo pudesse se desenvolver num único país, menos ainda numa nação atrasada e pobre como a Rússia tzarista. (...) Fica então uma velha pergunta: e se a revolução tivesse estourado num país desenvolvido como os EUA e a Alemanha? Teria fracassado também?"

Esses são apenas alguns poucos exemplos. Há muito mais. De que forma nossas crianças poderão saber que Mao foi um assassino frio de multidões? Que a Revolução Cultural foi uma das maiores insanidades que o mundo presenciou, levando à morte de milhões? Que Cuba é responsável pelos seus fracassos e que o paredão levou à morte, em julgamentos sumários, não torturadores, mas milhares de oponentes do novo regime? E que a URSS não desabou por sentimentos de inveja, mas porque o socialismo real, uma ditadura que esmaga o indivíduo, provou-se não um sonho, mas apenas um pesadelo?

Nossas crianças estão sendo enganadas, a cabeça delas vem sendo trabalhada, e o efeito disso será sentido em poucos anos. É isso o que deseja o MEC? Se não for, algo precisa ser feito, pelo ministério, pelo congresso, por alguém.

ALI KAMEL é jornalista.


2- Artigo da Carta Capital nº 464 de 03 de outubro de 2007 p. 24 a 28

A história como ela é

por Ana Paula Sousa

O pote de ouro do livro didático motiva uma guerra ideológica e comercial em torno de um compêndio de história

Mario Schmidt é uma espécie de Paulo Coelho dos livros didáticos. A proximidade com o mago, antes que se diga que o autor é, além de “comunista”, esotérico, dá-se no campo dos números. Schmidt, autor da coleção Nova História Crítica, vendeu cerca de 10 milhões de exemplares no País e estima-se que tenha chegado às mãos de 28 milhões de alunos. Schmidt ficou enfim famoso.

Nas últimas semanas, protagonizou uma série de reportagens que o acusam de disseminar a ideologia comunista pelas escolas brasileiras. No jornal O Globo, a obra foi definida como “um livro didático bisonho, encharcado de ideologia”, que fez Ali Kamel sentir-se do mesmo jeito que, um dia, se sentiu a atriz Regina Duarte. “É de dar medo”, escreveu, no jornal, na terça-feira 18, o diretor de jornalismo da Rede Globo.

Estava dada a largada para uma série de artigos e editoriais uníssonos. Nova História Crítica é uma das 53 coleções excluídas na última avaliação do Ministério da Educação (MEC), que analisou 144 títulos submetidos ao Plano Nacional do Livro Didático (PNLD). Schmidt, publicado pela Nova Geração, uma das últimas editoras pesospenas num ringue de pesos pesados, tornou-se best seller no mais rentável segmento do mercado editorial brasileiro.

Basta dizer que, num País que consome, em média, 2,5 livros por ano, o governo adquiriu, em 2007, 121 milhões de exemplares. Trata-se do maior programa de aquisição de livros do mundo. E o cliente é o Estado. Não é preciso ter faro especialmente apurado para intuir que por trás do barulho capaz de jogar na fogueira a obra de Schmidt esconde-se uma disputa a um só tempo ideológica e econômica.

No meio do caminho que um livro percorre antes de chegar aos alunos, há mais que uma pedra. Há disputas políticas, há uma compra de 560 milhões de reais em 2007 e há interesses financeiros atiçados pelo desempenho do grupo espanhol Santillana, cliente da consultoria do ex-ministro Paulo Renato Souza que ultrapassou o Grupo Abril no ranking do PNLD. A professora de história Margarida de Oliveira, membro da comissão técnica para o PNLD, está longe de integrar o coro de defensores do livro de Schmidt, até porque foi sob a sua gestão que a obra saiu da lista de compras.

Ainda assim, ela espantou-se com a saraivada de acusações contra a coleção. “O que me chamou a atenção foi o fato de os jornalistas, geralmente tão atarefados, se ocuparem de um livro que não será mais comprado pelo governo”, diz a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

“Além disso, não entendi o esforço para vincular o livro ao governo Lula, uma vez que, ao contrário do que tentou se mostrar, ele foi aprovado no governo FHC e descartado na atual administração.” Tal detalhe parece ter escapado ao próprio ex-ministro Paulo Renato Souza, hoje deputado federal. “Quando estávamos no governo, evitávamos viés ideológico na escolha dos livros didáticos. Essas diferenças devem ser respeitadas, mas, infelizmente, estamos vendo que a prática se perdeu com o tempo”, declarou, no site do PSDB.

Nova História Crítica entrou na seleção do MEC em 2002, ano de Paulo Renato à frente da pasta. Desde 1995, a lista é elaborada por 31 pareceristas, recrutados em universidades e divididos por especialidade. O trâmite começa no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), da USP, apto a verificar gramatura do papel, tamanho da fonte e outras especificidades técnicas, e termina na elaboração de um guia.

“Um livro aprovado não é sinônimo de livro perfeito, é apenas a garantia de que não tem erros ou estereótipos. Apresentamos uma lista e o professor escolhe a obra que mais o agrada, até de acordo com sua ideologia”, observa Margarida. No programa deste ano, por exemplo, o professor tinha 19 livros de história à escolha.

O campeão de solicitações foi o de Schmidt. Duplamente indignado – com a eliminação do livro do programa e com a cobertura da imprensa –, Arnaldo Saraiva, dono da Nova Geração, diz tratar-se do livro didático “mais vilipendiado e, ao mesmo tempo, menos lido pelos detratores”. “O senhor Ali Kamel tem o direito de não gostar de certos livros didáticos. Mas por que ele julga que sua capacidade de escolha deveria prevalecer sobre a de dezenas de milhares de professores?”, pergunta.

Chama a atenção, nas reportagens sobre o livro, a omissão de trechos complementares às frases “tendenciosas” citadas (leia a análise dos livros didáticos à pág. 29) e a reprodução dos mesmos trechos em todos os jornais. Saraiva, que seguiu trilha própria depois de trabalhar na editora da família, atrela a ofensiva, sobretudo, à entrada do capital internacional no setor.

“Existe hoje um ataque direto à única editora didática que não se vendeu ao capital externo, especialmente ao espanhol.” A frase, que pode soar conspiratória, encontra eco entre estudiosos do setor. Célia Cassiano, na tese de doutorado em Educação, recentemente defendida na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, debruça-se sobre o mercado editorial e procura entender de que modo o movimento empresarial, e a forte presença espanhola no setor, tem afetado o conhecimento que chega às escolas.

Ela diz que, no mundo todo, empresas como Hachette, Hatier, Nathan, MacMillan, Longman, Anaya e Santillana investem em livros didáticos. No Brasil, até os anos 90, o mercado estava concentrado em grupos familiares. A partir daí, as editoras começam a ser abraçadas por grupos empresariais e desenha-se o “oligopólio” esmiuçado por Célia. De 1985 a 1991, houve a participação de 64 editoras do PNLD, a despeito de 84% do fornecimento de livros ter ficado nas mãos de apenas sete grupos (Ática, Brasil, FTD, Ibep, Nacional, Saraiva e Scipione). Em 1998, o número caiu para 25.

Em 2006, apenas 12 editoras fizeram parte do programa. “Sempre houve concentração. A diferença, agora, é que as editoras pequenas desapareceram”, pontua Célia. Nos anos 2000, movimentos importantes aconteceram. Em 2001, a Santillana, braço editorial do maior grupo de mídia espanhol, o Prisa, que faturou 4 bilhões de euros em 2005, adquiriu a Moderna, criada pelo professor de química Ricardo Feltre.

E, se a alguém causou estranheza que o El País tenha escrito, a propósito de Schmidt, que “el libro de texto ensalza el comunismo y la revolución cultural china”, cabe lembrar que o jornal pertence ao Grupo Prisa. O capital estrangeiro chegou também por meio do grupo francês Vivendi, que se associou à Abril na compra da Scipione e da Ática, líder do segmento didático e infanto-juvenil por vários anos. Em 2004, o Vivendi se foi e o Grupo Abril assumiu o controle acionário total das editoras.

“É verdade que o mercado evolui de forma concentrada. Mas, para você ter uma idéia da complexidade, basta dizer que um livro que será comprado em 2009, está ficando pronto agora”, diz João Arinos, presidente da Abrelivros, a associação que reúne os editores de livros didáticos, e diretor do Grupo Abril. “É um investimento enorme que corre o risco de ser todo jogado fora, caso o livro não seja aprovado.

E, se você olhar, no resto do mundo a concentração é ainda maior.” Mônica Messenberg, diretora de relações institucionais do Grupo Santillana, diz que a própria característica das compras governamentais favorece os grandes grupos. “O governo paga, em geral, 20% do valor cobrado pelas livrarias. Temos uma margem de lucro pequena, que só compensa se você trabalhar em escala.

Há, inclusive, muita editora pequena que procura as grandes para publicar seus livros.” Mônica sabe do que fala. Antes de se tornar executiva do grupo espanhol, era presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no ministério de Paulo Renato. O expressivo crescimento da editora no segmento deixa os concorrentes com a pulga atrás da orelha, até porque a ligação com o governo anterior não se restringe à presença de Mônica.

No site da Paulo Renato Souza Consultores, que promete “acesso direto a organismos, fundos e empresas internacionais com interesse em desenvolver parcerias e/ou investimentos no setor educacional brasileiro” e “desenvolvimento de estratégia de entrada no mercado educacional brasileiro”, Santillana e Moderna figuram como clientes. “O crescimento foi grande porque passamos a investir no mercado público.

Antes, o PNLD não era encarado como significativo para a editora”, justifica Mônica. Sobre o possível conflito de interesses e as informações privilegiadas, rebate: “Eu estava havia seis meses fora do MEC quando aceitei o posto. Além disso, não se configura conflito de interesses porque eu não negocio preços com o governo. E como a Moderna nem era focada nesse mercado, não dá sequer para dizer que eu os tivesse beneficiado antes”.

O deputado Paulo Renato não atendeu à reportagem de CartaCapital. Disse apenas, por meio do assessor, não ver conflito de interesses. Não parece absurdo, no entanto, questionar sua legitimidade para, no Parlamento, arvorar-se em defensor das causas educacionais e apresentar projetos que versem sobre os critérios do PNLD, como apregoou por estes dias. Quanto mais se puxam os fios desse novelo bilionário, mais interesses difusos aparecem.

“Ao se falar de livro didático, nada pode ser desprezado. Temos sempre de lembrar que esse mercado depende, de maneira radical, das compras do governo e que a relação entre editoras e Estado é antiga”, anota o professor Kazumi Munakata, coordenador da disciplina História do Livro Didático, na PUC-SP. Formado em filosofia, doutor em História da Educação e com passagens pela Abril Cultural e pelo Telecurso, da Globo, ele arrisca algumas hipóteses para a ofensiva contra o livro de história. “Primeiro, temos de lembrar que vivemos uma onda de conservadorismo.

Ao mesmo tempo, existe alguma coisa em jogo que pouca gente sabe o que é. Pode ser tanto uma tentativa de desestabilizar o governo quanto uma reorganização de forças no mercado ou uma tentativa de furar um esquema cheio de barreiras”, analisa Munakata. Ao falar de barreiras, chega-se a dois pontos. Um deles, diz respeito à restrição aos divulgadores que atuavam nas escolas.

Em 2006, o MEC criou regras que limitam a propaganda das editoras, para evitar que os professoras sejam influenciados indevidamente. As novas regras quebraram as pernas da Ática e da Scipione, pertencentes à Abril. A outra barreira imposta pelo PNLD atinge uma ponta menos visível do mundo do material didático, que são os chamados sistemas de ensino.

Nascidos nos cursinhos pré-vestibulares, os sistemas de grupos como COC e Positivo expandiram-se e, hoje, são publicados também por editoras como a Moderna e a Abril. “Aliada à forte concentração dos grandes grupos chama a atenção que, gradativamente, a maior parte dessas empresas começou a comercializar sistemas de ensino, inclusive para a rede pública, nem sempre de forma transparente”, diz Célia Cassiano.

A revista Veja, da Abril, curiosamente, fez uma matéria que dizia ser o sistema COC a sétima maravilha do mundo e, alguns meses depois, desancou o método. Correndo à margem do PNLD, os sistemas de ensino são vistos, por especialistas em educação, como uma opção arriscada. “É um pouco a idéia do livro resumido, com objetivos práticos, que deixam a formação humana de lado”, opina Munakata.

“Mas, nos próprios livros didáticos, nota-se uma tendência a enlatados, a livros que vêm de fora, padronizados. Me parece que se instala a crença de que o livro pode substituir o professor e também de que escola só serve para preparar para o vestibular.”

Célia Cassiano lembra que, em qualquer tempo, o livro didático fica no centro de uma disputa real e simbólica. “Em todos os países, o livro didático é visto como um instrumento de poder”, diz. No caso brasileiro, a relação direta entre Estado e editoras de livros didáticos remonta ao Estado Novo, de Getúlio Vargas, quando foi criado o primeiro programa de leitura.

Entre 1964 e 1984, houve a intervenção estatal que criou livros até hoje famosos pelas distorções. O PNLD foi implantado em 1985, no governo Sarney, e começou a valer em 1986. Até então, a aquisição restringiase a bibliotecas e alunos carentes. Para ter uma idéia, em 1971, o governo comprou 7,2 milhões de livros.

Em 1986, com a implantação do programa, houve um salto, para 45 milhões, mas a média logo caiu para cerca de 12 milhões. “Até 1996, o volume era menor e o professor é que indicava os títulos a serem comprados. A questão da distribuição também era problemática. Houve denúncias de irregularidades entre distribuidoras e, em lugares distantes, havia livros que chegavam em setembro, quando o ano letivo estava se encerrando”, relata Munakata.

O problema de distribuição foi minimizado com a entrada dos Correios no processo e a lista, até o petardo lançado por Ali Kamel, recebera muito mais elogios que críticas. “O que causa um grande desconforto ao Ministério da Educação são algumas vozes que, talvez sem perceber, estavam quase propondo a volta da censura”, diz o ministro Fernando Haddad.

“Na minha opinião, há, subjacente a essas posturas autoritárias, uma desconfiança da capacidade do professor. Então se desconfia de todos: da família, que também não participa do ato educativo, do professor, dos avaliadores das universidades.” Munakata, por sua vez, vê nos ataques ferozes ao livro de maior sucesso nas escolas brasileiras a reedição de uma história antiga.

“Quando o Montoro foi eleito (governador de São Paulo, em 1982), houve reforma curricular. O currículo de história levou dez anos para ser aprovado porque os jornais diziam que a reforma tinha tendência comunista”, recorda.

“Vira e mexe, a imprensa cria essa falsa polêmica. Curiosamente, depois dos escândalos dos livros da ditadura, que inventavam a história, houve uma reação dos autores e o tom dos livros passou a ser, basicamente, progressista. Até um autor como Joaquim Silva, superconservador, virou progressista, depois de morto, nas reedições da FTD.” A imprensa parece seguir na mão contrária.




3
- Artigo do vermelho portal – Pcdo B

http://www.vermelho.org.br/base.asp?texto=25279

19 DE SETEMBRO DE 2007 - 15h11

O livro didático que a Globo quer proibir

O professor de História Mario Schmidt responde à altura, diante da campanha de difamação contra o seu livro didático capitaneada pelo diretor executivo do jornalismo da Rede Globo, Ali Kamel. ''Em primeiro lugar exigimos respeito. Nós jamais acusaríamos o sr. Kamel de ser racista apenas porque tentou argumentar racionalmente contra o sistema de cotas nas universidades brasileiras''. Veja a resposta na íntegra.


O livro de história que Kamel difamou

A respeito do artigo do jornalista Ali Kamel no jornal O Globo de 18 de setembro de 2007 sobre o volume de 8ª série da obra Nova História Crítica, de Mario Schmidt, o autor e a Editora Nova Geração comentam: Nova História Crítica da Editora Nova Geração não é o único nem o primeiro livro didático brasileiro que questiona a permanência de estruturas injustas e que enfoca os conflitos sociais em nossa história. Entretanto, é com orgulho que constatamos que nenhuma outra obra havia provocado reação tão direta e tão agressiva de uma das maiores empresas privadas de comunicação do país.


Compreendemos que o sr. Ali Kamel, que ocupa cargo executivo de destaque nas Organizações Globo, possa ter restrições às posturas críticas de nossa obra. Compreendemos até que ele possa querer os livros didáticos que façam crer ''que socialismo é mau e a solução para tudo é o capitalismo''. Certamente, nossas visões políticas diferem das visões do sr. Ali Kamel e dos proprietários da empresa que o contratou. O que não aceitamos é que, em nome da defesa da liberdade individual, ele aparentemente sugira a abolição dessas liberdades.


Não publicamos livros para fazer crer nisso ou naquilo, mas para despertar nos estudantes a capacidade crítica de ver além das aparências e de levar em conta múltiplos aspectos da realidade. Nosso grande ideal não é o de Stálin ou de Mao Tsetung, mas o de Kant: que os indivíduos possam pensar por conta própria, sem serem guiados por outros.


Assim, em primeiro lugar exigimos respeito. Nós jamais acusaríamos o sr. Kamel de ser racista apenas porque tentou argumentar racionalmente contra o sistema de cotas nas universidades brasileiras. E por isso mesmo estranhamos que ele, no seu inegável direito de questionar obras didáticas que não façam elogios irrestritos à isenção do Jornal Nacional, tenha precisado editar passagens de modo a apresentar Nova História Crítica como ridículo manual de catecismo marxista. Selecionar trechos e isolá-los do contexto talvez fosse técnica de manipulação ultrapassada, restrita aos tempos das edições dos debates presidenciais na tevê. Mas o artigo do sr. Ali Kamel parece reavivar esse procedimento.

Ele escolheu os trechos que revelariam as supostas inclinações stalinistas ou maoístas do autor de Nova História Crítica. Por exemplo, omitiu partes como estas: ''A URSS era uma ditadura. O Partido Comunista tomava todas as decisões importantes. As eleições eram apenas uma encenação (...). Quem criticasse o governo ia para a prisão. (...) Em vez da eficácia econômica havia mesmo era uma administração confusa e lenta. (...) Milhares e milhares de indivíduos foram enviados a campos de trabalho forçado na Sibéria, os terríveis Gulags. Muita gente foi torturada até a morte pelos guardas stalinistas...'' (pp. 63-65).


Ali Kamel perguntou por onde seria possível as crianças saberem das insanidades da Revolução Chinesa. Ora, bastaria ter encotrado trechos como estes: ''O Grande Salto para a Frente tinha fracassado. O resultado foi uma terrível epidemia de fome que dizimou milhares de pessoas. (...) Mao (...) agiu de forma parecida com Stálin, perseguindo os opositores e utilizando recursos de propaganda para criar a imagem oficial de que era infalível.'' (p. 191) ''Ouvir uma fita com rock ocidental podia levar alguém a freqüentar um campo de reeducação política. (...) Nas universidades, as vagas eram reservadas para os que demonstravam maior desempenho nas lutas políticas. (...) Antigos dirigentes eram arrancados do poder e humilhados por multidões de adolescentes que consideravam o fato de a pessoa ter 60 ou 70 anos ser suficiente para ela não ter nada a acrescentar ao país...'' (p. 247) Os livros didáticos adquiridos pelo MEC são escolhidos apenas pelos professores das escolas públicas. Não há interferência alguma de funcionários do Ministério.


O sr. Ali Kamel tem o direito de não gostar de certos livros didáticos. Mas por que ele julga que sua capacidade de escolha deveria prevalecer sobre a de dezenas de milhares de professores? Seria ele mais capacitado para reconhecer obras didáticas de valor? E, se os milhares de professores que fazem a escolha, escolhem errado (conforme os critérios do sr. Ali Kamel), o que o MEC deveria fazer com esses professores? Demiti-los? Obrigá-los a adotar os livros preferidos pelas Organizações Globo? Internar os professores da rede pública em Gulags, campos de reeducação ideológica forçada para professores com simpatia pela esquerda política? Ou agir como em 1964?




4- Presidente da Abrale - Associação Brasiliera dos Autores de Livros Educativos

Livro didático
"Nas últimas semanas, um livro didático de história foi amplamente discutido na imprensa.
O artigo inicial de Ali Kamel, em "O Globo", condenou a obra baseado apenas em trechos que lhe convinham, ignorando outros, que se opunham ou relativizavam os primeiros. Além disso, mal-informado, o jornalista deu a entender que o MEC incentivava a adoção da obra, ignorando que livros didáticos da escola pública são antes avaliados por especialistas para serem, depois, escolhidos livremente pelos professores.
Outros órgãos da grande imprensa repetiram Kamel sem investigar mais a fundo. Surpreende que até o ex-ministro Paulo Renato tenha engrossado o coro, condenando a doutrinação de esquerda, ignorando que a "obra maldita" foi aprovada pela primeira vez em sua gestão (e reprovada apenas recentemente, em 2007).
A Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos retorna a esses fatos não para defender a obra, numa postura corporativista, ou para reclamar da crítica, que é útil e necessária. Só desejamos análises abrangentes e bem-informadas. Em particular, reiteramos que, embora careçam de ajustes, os programas governamentais do livro didático há mais de dez anos vêm contribuindo para a melhoria do ensino brasileiro de forma plural, democrática e republicana."
JOSÉ DE NICOLA NETO, presidente da Abrale - Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (São Paulo, SP)




5- CARTA ABERTA AO PROFESSOR ALI KAMEL


04.10.2007 – In: http://www.fazendomedia.com/

Por Denilson Botelho (*) - denilson@fazendomedia.com

Caro Ali Kamel,

Primeiramente gostaria de agradecê-lo pelo brilhantismo com que tem brindado os leitores do jornal O Globo nas últimas semanas. Os seus últimos artigos são verdadeiras aulas de história, cuja perspicácia e sagacidade eu jamais vi durante toda a minha formação acadêmica. Sua análise dos livros didáticos de história, que nós professores temos adotado, talvez distraidamente, soa como um alerta que não podemos desprezar.

Quando demolistes o livro de Mario Schmidt, um certo desconforto já tomara conta de mim. Não porque eu o tenha adotado nas turmas para as quais leciono história no ensino fundamental, embora eu nada possa dizer que desabone ou desaconselhe o uso dos livros deste autor. É que eu aprendi desde cedo, já na escola, creio eu, que texto algum é portador de verdades absolutas. Tal convicção consolidou-se nos anos que freqüentei a graduação em História na Universidade Federal Fluminense.

Lá, os professores que tive, cujos conhecimentos nem se comparam à enorme sabedoria que tens, ensinaram-me que todo texto precisa ser analisado de forma crítica. Seja uma fonte utilizada para elaborar o conhecimento histórico, seja o livro didático que sintetiza as pesquisas produzidas na universidade. E tal perspectiva crítica deve ser insistentemente compartilhada com os alunos, como parte do processo de aprendizagem que se desenvolve nesta disciplina que hoje tem no senhor um notório especialista.

Além disso, aprendi também que em tudo há a tal da ideologia, mesmo nos textos e autores que insistem em negá-la ou ocultá-la. Ou seja, nossas escolhas político-ideológicas sempre se fazem presentes, ainda que queiramos omiti-las, de boa ou má fé. Em suma, aqueles professores que eu tanto admirava, até conhecê-lo nas páginas desse tão renomado diário, ensinaram-me já nos primeiros períodos da faculdade que não existe conhecimento neutro e isento, seja ele científico ou não.

Lembro-me do caso clássico da análise - que sempre faço com os meus alunos - da carta-testamento de Getúlio Vargas. Nela desaparece o ditador perverso do Estado Novo para dar lugar ao homem que deixa a vida para entrar para a história, numa pérola de discurso político-ideológico que reconstrói a memória de quem pretende ingressar na posteridade como pai dos pobres. E funda-se no Brasil o populismo endêmico que até hoje grassa entre nossos políticos e tanto mal nos faz.

Mas devo estar mesmo equivocado, pois descobri com o senhor que o jornalismo é, sim, um caso raro e indiscutível de conhecimento neutro, isento e objetivo (ver "O jornalismo", em O Globo de 23/01/2007). Prova disso está na mesmice do noticiário dos grandes jornais deste país. Se O Globo, a Folha de S. Paulo, o Jornal do Brasil e o Estadão deram ontem, hoje e sempre as mesmas notícias é porque, como o senhor teve a bondade de nos explicar, seus repórteres e jornalistas foram "treinados" (jamais imaginei que se treinavam jornalistas tal como se adestram cães...) para identificar e selecionar o que é relevante nos acontecimentos do dia-a-dia. Ou seja, os jornalões nos servem diariamente a verdade dos fatos, de forma neutra e isenta, sem qualquer abordagem de natureza ideológica.

Talvez por isso agora o senhor retome as críticas aos livros didáticos de história do Projeto Araribá, que eu, idiota, escolhi usar em 2008 com os meus alunos. Afinal, os livros didáticos de história deveriam ser como os jornais - neutros e isentos - e estão por aí catequizando nossas criancinhas na cartilha do socialismo e pior, do governo Lula, do PT. Francamente! Esse mundo está perdido, não é mesmo? Até porque professores como eu não foram "treinados" como são os jornalistas d' O Globo para identificar o que é relevante para nossos alunos...

Então eu lhe faço aqui publicamente uma proposta, senhor Kamel. Abro mão do meu posto de professor de história da escola pública municipal em que leciono e... cedo-lhe a vaga – inclusive com o respectivo salário, que há de alterar significativamente o seu padrão de vida. Venha o senhor dar aulas de história para a garotada do morro do Cruz, logo ali no Andaraí., zona norte do Rio de Janeiro. Deixe o conforto do ar condicionado da redação em que trabalha e venha enfrentar nossas calorentas salas de aula já! Venha dar sua contribuição inestimável, dando aulas não só através das páginas do jornal, mas como o professor talentoso que demonstra ser. A sociedade brasileira certamente terá muito a ganhar com uma atitude como esta...

Só não vale enviar no seu lugar aquele tal de Eduardo Bueno, que nos últimos domingos tem estado no seu prestigioso Fantástico, junto com o Pedro Big Brother Bial, dando aulas de história como nunca antes se viu. Não leve a mal, mas é que o Bueno insiste em apresentar a história de forma maniqueísta, como tendo sido feita por vilões e mocinhos. E o senhor sabe que esta é uma visão estreita e empobrecedora da história. Afinal, temos por aí vários vilões que se apresentam como mocinhos, inclusive ao fazer a análise de livros didáticos...

(*) Denilson Botelho é historiador, professor e autor de A pátria que quisera ter era um mito.




6-Revista Época (Revista Época 22 out 2007 Ed.492)

O que estão ensinando às nossas crianças? p. 60 a 70


Boa parte dos livros didáticos apresenta distorções ideológicas. Por que elas existem e como comprometem a educação

alexandre mansur, luciana vicária e renata leal


A catarinense Mayra Ceron Pereira, que mora na cidade de Lages, se sentiu incomodada com a lição de casa do filho, no início do ano. Aluno da 7a série do colégio Bom Jesus, uma rede privada do sul do país, Gabriel, de 13 anos, tinha de definir o que é a mais-valia. Ela folheou o livro Terra e Propriedade, da coleção História Temática, que ele usa na escola, e encontrou uma foto de José Rainha, líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Ele aparecia apenas como líder social”, diz Mayra. “Não havia a informação de que foi condenado pela Justiça.” Em uma leitura mais atenta, ela se incomodou ainda mais com o que identificou como maniqueísmo nos textos. “Os poderosos são sempre os vilões, e os proletários os coitados. Não acho saudável crescer dividindo o mundo entre vítimas e culpados”, afirma Mayra, que é vereadora do partido Democratas (ex-PFL). “Eu não quero um livro neoliberal. Quero que deixem meu filho desenvolver seu julgamento no futuro. Nesse livro, as pessoas já vêm julgadas e condenadas.”

Na central do colégio, em Curitiba, a informação é que o livro está sendo reavaliado como qualquer outro. “Estamos com essa coleção há oito anos e ela é uma das mais conceituadas na área. Pode ter problemas, mas nenhum livro é 100%”, afirma o educador Pedro Gardim, coordenador pedagógico do colégio. Segundo ele, a informação sobre José Rainha não estava no livro porque a edição usada era anterior à condenação. “O livro fala do MST, que é um movimento polêmico, mas importante para discutir o tema da terra. Assim como, mesmo sendo uma escola católica, falamos da Inquisição.” Segundo Roberto Catelli, um dos autores do livro, a obra não faz nenhuma apologia a José Rainha. Para Catelli, mestre em História Social pela Universidade de São Paulo (USP), o fato de o livro reproduzir trechos da versão em quadrinhos de O Capital, do filósofo e economista Karl Marx, sobre o conceito de mais-valia, também não é pregação ideológica. “O texto deixa explícito que se trata do pensamento de um autor, e não de uma verdade única”, diz. “O objetivo é que o aluno tenha acesso ao pensamento marxista, básico no estudo das ciências humanas.”

“No discurso da escola, mérito é um conceito burguês. E isso é visto como negativo”
Bráulio Porto de Matos, da UnB
O caso suscita uma discussão relevante para as famílias de 42 milhões de estudantes do ensino fundamental e médio no Brasil, nas redes pública e privada. Afinal, o que se ensina às crianças e aos adolescentes do país? Há um mês, um artigo do jornalista Ali Kamel despertou a polêmica, ao transcrever trechos do livro Nova História Crítica no jornal O Globo. Para Kamel, o livro é uma “tentativa de fazer nossas crianças acreditarem que o capitalismo é mau e que a solução de todos os problemas é o socialismo”. ÉPOCA analisou o livro e encontrou trechos problemáticos, como “Adam Smith acreditava que as forças do mercado agiriam como uma mão invisível a regular a economia. Em suma, o vale-tudo capitalista promoveria o progresso geral de forma harmoniosa”, uma visão estereotipada do capitalismo, como um sistema desprovido de ética. Nova História Crítica foi um campeão de vendas. Teve 9 milhões de exemplares distribuídos desde 1998 pela rede pública de ensino e 1 milhão pela rede particular. Estima-se que 30 milhões de adolescentes estudaram História com ele. O autor, Mario Furley Schmidt, não se pronunciou. Arnaldo Saraiva, presidente da editora Nova Geração, respondeu que o livro “não é o único nem o primeiro que questiona a permanência de estruturas injustas e que enfoca os conflitos sociais em nossa história”. Disse também: “Não publicamos livros para fazer crer nisso ou naquilo, mas para despertar nos estudantes a capacidade crítica de ver além das aparências e de levar em conta múltiplos aspectos da realidade”. O livro de Schmidt já não faz parte da lista de recomendações do MEC. Fora aprovado, com ressalvas, pelas bancas que analisam os livros didáticos, em 1998, 2001 e 2004. Em 2007, quando a categoria “com ressalvas” acabou, ele foi rejeitado.

Mas há outros, com teor parecido. ÉPOCA fez um levantamento de 20 livros didáticos e 28 apostilas de História e Geografia adotados por escolas públicas e privadas. Em um país democrático, pode-se esperar que os títulos reflitam o amplo espectro ideológico e político da sociedade. Não é o que ocorre. A maioria dos livros – em especial os de História – é simpática ao socialismo e apresenta o livre mercado como um modelo econômico gerador de desigualdade e pobreza. Embora a ênfase seja desequilibrada para a ideologia de esquerda, isso faz parte do jogo democrático. O dado que assusta é a quantidade de distorções que os autores fazem em nome da visão socialista. Existem dois tipos de problemas. O primeiro é a omissão. Ao tratar de revoluções socialistas, como a da China e a de Cuba, vários livros deixam de mencionar o caráter opressivo e ditatorial desses regimes. Além disso, a ideologia leva alguns autores a publicar informações erradas, como dizer que a globalização aumentou a pobreza mundial. Segundo dados da ONU, a abertura do comércio internacional da década de 90 fez com que a renda per capita dos países pobres crescesse mais que a dos países desenvolvidos (confira nos quadros).

“Os professores empreenderam uma grande luta de retorno à democracia. Estamos em uma fase de transição”
Célio Cunha, da Unesco
O caso mais impressionante é o do material elaborado pelos professores da rede estadual do Paraná no programa Livro Didático Público. Seus livros vão para 450 mil alunos do ensino médio. Há até um livro de Educação Física com um capítulo intitulado “Faço esporte ou sou usado pelo esporte?”, em que a atividade física é apresentada como ferramenta de exploração capitalista. “Regras: é preciso respeitá-las para sermos bons esportistas. Em nossa sociedade, devemos ser submissos às regras impostas pela classe dominante”, escreve o autor. “Em nosso convívio social, devemos respeitar nossos colegas (...), contribuindo com o êxito da equipe ‘de trabalho’, isso quer dizer ‘enriquecer cada vez mais os patrões’.” O governo paranaense diz que não houve orientação ideológica para os autores. “Algumas perspectivas podem ser vistas como reducionistas, mas todas as realidades existem”, diz o filósofo Jairo Marçal, coordenador do programa. “Seria complicado assumir o relativismo que acaba aceitando todas as posições como corretas. Não se pode mais fazer uma crítica ao modelo econômico que está colocado?”

Quem escreve livros como esses? Escritores revolucionários? Nem tanto. O autor dos capítulos de Educação Física do Paraná é Gilson José Caetano, de 30 anos, casado com uma professora de Educação Física e pai de uma menina de 2 anos. Ele é professor no município de Turvo, com 14 mil habitantes. Sua formação é o curso de Educação Física de uma universidade particular de Palmas, no interior do Paraná. Caetano é diretor da Escola Joanna s Lechiw Thomé, com 96 alunos entre a 5a e 8a séries. Para chegar lá, todas as manhãs percorre 17 quilômetros de estrada de terra. Metade do caminho dentro de uma van contratada pelos professores, metade de carona no ônibus escolar dos alunos. À tarde, leciona para 180 estudantes do Colégio Estadual Edite Cordeiro. À noite, faz bico como instrutor de uma academia de ginástica. “Aqui no interior é difícil alguém notar o nosso trabalho. O livro foi uma grande oportunidade”, diz.

Para escrever seu livro de esporte com críticas ao capitalismo, Caetano diz ter escolhido “um recorte baseado no materialismo histórico dialético”, referindo-se à concepção de História desenvolvida por seguidores de Karl Marx. Ele afirma que o marxismo seria a base teórica de consenso entre os professores que criaram as diretrizes da Secretaria de Educação do Paraná. “Todo livro didático público tem uma visão. Se partirmos da neutralidade, não pensamos um aluno crítico”, diz. “Isso não significa que eu seja comunista. Nem me interesso muito por política.” Caetano se diz um atleta frustrado. “Praticava todos os esportes, mas nunca descobria minha habilidade. Meu professor de Educação Física se preocupava tanto em ajudar os alunos que resolvi ser como ele. Quero fazer algo pela comunidade por meio da formação dos estudantes.”

Em uma apostila do sistema Anglo, os autores Claudio Vicentino e José Carlos Moura, de São Paulo, escrevem: “o império da sociedade de consumo é um mundo em que alguns são senhores do mercado e a esmagadora maioria sua vítima”. Por e-mail, eles explicaram seu texto. “Consideramos que esses problemas transcendem uma visão ideológica, seja ela de direita ou de esquerda, e inclusive por isso assinalamos na mesma página, logo a seguir, que nem o socialismo real e nem o capitalismo foram capazes de resolver esses grandes impasses da humanidade.”

Já a professora Katya Picanço escreveu um capítulo intitulado “Ideologia” em uma apostila de Sociologia distribuída na rede pública do Paraná. Em sua obra, a autora afirma que “na sociedade capitalista, o poder público está a serviço da classe dominante, via seus representantes no governo”. Na opinião de Katya, “é óbvio que os políticos estão a serviço da classe dominante, senão a sociedade teria mudado”. Roberto Catelli, no livro Terra e Propriedade, descreve a revolução chinesa de Mao Tsé-tung, mas não menciona que seu regime opressor promoveu um dos maiores massacres da História. Catelli afirma que optou por um recorte econômico, não político. Sua resposta é a mesma em relação à ditadura de Fidel Castro: “Só mencionamos o bloqueio econômico dos Estados Unidos a Cuba, uma questão política, porque ele teve impacto direto na economia do país”.

Alguns autores, diante das críticas, afirmam que os livros didáticos com problemas serão revisados. É o caso de Uma História em Construção, que tem a ilustração de um americano esmagando o Brasil. O autor, José Rivair Macedo, diz que vai reformular o conteúdo e a parte gráfica. “Estamos revendo uma série de aspectos conceituais e formais, de modo a tornar a obra mais objetiva e em consonância com as atuais propostas de ensino”, afirma. Procuradas por ÉPOCA, as editoras Saraiva, Scipione e Moderna não quiseram se manifestar.

A doutrina política de esquerda não é o único problema do mercado didático. O livro Banzo, Tronco & Senzala, da editora Harbra, foi recolhido da rede de Brasília em 2003 porque sua ilustração de capa trazia escravos negros com traços faciais semelhantes aos de macacos. No início de 2003, o caso foi denunciado por um pai de aluno ao senador Paulo Paim (PT-RS) – que procurou o governo do Distrito Federal. Embora não fosse distribuído pelo governo, muitas escolas compravam o livro com orçamento próprio. “O caso é chocante porque é extremo. Mas não é difícil achar ilustrações que embrutecem a face dos negros nos livros didáticos”, afirma a educadora Andréia Lisboa de Sousa, doutoranda em currículos escolares na Universidade do Texas.

Em outra coleção excluída depois de ser distribuída por três anos pelo MEC, os índios são retratados como seres incivilizados, e os nordestinos como culpados pela pobreza nas grandes cidades. No volume para a 6a série de Uma História em Construção, lê-se: “Comparando o tipo de vida dos indígenas com o dos civilizados, notamos grandes diferenças” (o termo civilizados, segundo consenso dos antropólogos, é preconceituoso, pois implica que os índios não têm civilização. Seriam, portanto, selvagens). No livro para a 7a série, o autor escreve: “A fome não diminuiu no Nordeste, mas foi trazida para o Sudeste e para o Sul. Quem trouxe? Os 28 milhões de migrantes que marcharam para as regiões desenvolvidas”.

Quanto eles vendem
O segmento de livros didáticos deverá movimentar R$ 1,2 bilhão entre 2007 e 2008. Cerca de 58% do faturamento vem da venda para o governo federal

Fontes: Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros)/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
“Livros que induzem a preconceitos e estereótipos levam a uma formação errada, uma visão distorcida do mundo. Formam pessoas racistas, com xenofobia. As idéias de que no Nordeste só há seca e miséria e que todos os alemães são nazistas não ajudam o aluno a compreender o mundo”, afirma a historiadora Margarida Matos, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Ela coordenou a banca que excluiu o livro Nova História Crítica da lista do MEC neste ano. A visão doutrinária foi apenas um dos problemas identificados. Schmidt, o autor, faz ainda abordagens estereotipadas de períodos e personagens históricos e abusa de expressões coloquiais. No livro para a 5a série, ele especula sobre as razões da expansão do cristianismo: “Muitas pessoas ricas começaram a adotar o cristianismo. Estavam cansadas de sua vida vazia, de egoísmos e de futilidades. As orgias alegravam por um tempo, mas depois vinha a depressão”.

Os escritores de livros didáticos são os maiores vendedores de livros do Brasil. Segundo levantamento da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros, 53% dos 310 milhões de exemplares vendidos no ano passado no país se encaixavam nessa categoria. O segmento representa mais da metade do faturamento do mercado editoral brasileiro. Autores que estão há décadas no mercado já venderam milhões de exemplares e formaram gerações. Até autores novos no ramo podem alcançar esse volume em apenas uma única venda para o programa do governo federal de distribuição de livros para escolas da rede pública. São números expressivos para um mercado em que fenômenos como Harry Potter saem com tiragem inicial de 350 mil exemplares. Potter precisou de cinco volumes para bater a casa dos 2 milhões de livros vendidos.

O grande impulso para o mercado de livros didáticos vem do governo federal. O Ministério da Educação (MEC) destinou R$ 746 milhões à compra de livros didáticos para o próximo ano letivo nas redes federal, estadual e municipal. O programa brasileiro é o terceiro maior do mundo – só fica atrás dos programas da China e dos Estados Unidos, segundo estudo do economista Fábio Sá Earp, coordenador do Laboratório de Economia do Livro da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para as editoras, é um mercado de mais de 37,6 milhões de alunos da rede pública. Boa parte dos livros com viés ideológico de esquerda passa pela análise do governo federal. Em cada disciplina, os livros são analisados por uma banca de especialistas de uma universidade pública. Dos 587 inscritos no ano passado, 182 foram excluídos. As escolas privadas não são obrigadas a seguir a lista dos livros aprovados pelo MEC. Mas geralmente a usam como referência.

As bancas das universidades que analisam os livros para o MEC costumam rejeitar títulos por má qualidade do conteúdo. São freqüentes os casos de livros recusados por informações incorretas, uso de linguagem inapropriada ou mesmo expressões racistas ou preconceituosas. Um dos critérios para a exclusão de livros é s a doutrinação política. Mas a banca deixa passar títulos que condenam o capitalismo e enaltecem o socialismo. Apesar da polêmica, o ministro da Educação, Fernando Haddad, diz que não vai reformular o sistema de avaliação por bancas, iniciado no governo FHC. “O Ministério da Educação não pode, sob pena de cometer gravíssimo erro, adotar a postura de censor. Em educação, a avaliação que dá certo é a avaliação feita por pares. Ela pode ter imperfeições, mas é melhor que qualquer outra”, disse Haddad.

Na avaliação pelos pares, esse viés que condena o capitalismo não choca boa parte dos acadêmicos. “O professor é de esquerda porque não acredita que haja uma solução para o problema da desigualdade que emane da direita”, diz o filósofo Renato Janine Ribeiro, diretor de avaliação da Capes, fundação do MEC que investe na pós-graduação. “Afinal, a direita governou o país quase o tempo todo. Ela gerou este país.” O próprio Janine Ribeiro apresenta sua visão do liberalismo econômico. “Para a riqueza das elites aumentar, é preciso mexer no bolo. Se alguns passam a ganhar mais, é provável que isso diminua o que vai para os que já ganham menos”, diz. Essa visão se baseia na concepção de que a riqueza é finita. Mas a corrente de pensamento econômico predominante é de que é possível criar valor – quando um país prospera, sua economia cresce, o que pode gerar riqueza para todos os estratos sociais.

Por que o ensino de História ganhou esse tom anticapitalista no Brasil? Segundo alguns economistas e educadores, isso é resultado de uma mudança no perfil dos professores ocorrida na década de 70. Naquele momento, a expansão da educação básica aconteceu à custa da redução do salário dos professores. O poder de compra deles hoje é até 70% menor do que foi na década de 50, de acordo com o sindicato dos professores do Estado de São Paulo (Apeoesp). Samuel Pessoa, economista da Fundação Getúlio Vargas, diz que o professor reage por conviver, em sala de aula, com crianças miseráveis, vítimas de violência e sem perspectivas. “É razoável que os professores se revoltem contra esta situação. Daí a surgir um pensamento de esquerda, parece meio natural”, afirma.

Segundo Pessoa, no entanto, o discurso marxista chega distorcido e pouco aprofundado, de modo que o discurso se resume a uma crítica ao capitalismo perverso. “Para entender o mundo, os professores passam a adotar uma lógica conveniente, simplista e sedutora, em geral conspiratória da História”, afirma. “Imagine que fácil se toda a tragédia social do país pudesse ser explicada pela globalização. Se todas as mazelas de países subdesenvolvidos fossem fruto apenas de forças externas e nunca de opções erradas que se fez durante o desenvolvimento.” “Para entender o mundo, os professores passam a adotar uma lógica conveniente, simplista e sedutora”
Samuel Pessoa, da Fundação
Getúlio Vargas

A visão maniqueísta da História pode ser encontrada já no curso de Pedagogia. Para mostrar isso, Bráulio Porto de Matos, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, compara os manuais de didática mais usados pelos professores na década de 60 com o livro mais popular de hoje. O manual de Amaral Fontoura, usado até os anos 70, era principalmente técnico: fazia críticas ao processo de ensino. A obra mais atual, de Carlos Libâneo, no entanto, já em suas primeiras páginas fala sobre a perversidade do capitalismo: “As relações sociais do capitalismo são, assim, fortemente marcadas pela divisão da sociedade em classes, onde capitalistas e trabalhadores ocupam lugares opostos e antagônicos no processo de produção. A classe proprietária dos meios de produção retira seus lucros da exploração do trabalho da classe trabalhadora”.

De certa forma, a esquerdização dos professores no Brasil foi um reflexo do período de ditadura militar no país, nos anos 70. “Os professores empreenderam uma grande luta de retorno à democracia”, diz Célio Cunha, assessor de educação da Unesco no Brasil. “Estamos em uma fase de transição. Naturalmente estes livros refletem a realidade recente do país”, diz. Para ele é importante manter o direito de livre escolha do professor. “É a continuidade desse processo que nos colocará, daqui a alguns anos, em um ponto de equilíbrio.” Mas a transição talvez esteja demorando demais em um país que abandonou a ditadura há 20 anos. E ela não justifica o maniqueísmo assumido pelos livros.

A qualidade dos livros didáticos e a preocupação com os pontos de vista que eles veiculam não são uma questão importante somente no Brasil. “Os livros de História de qualquer sociedade não têm, necessariamente, um compromisso com a verdade”, afirma Bárbara Freitag, pedagoga da Universidade de Brasília. “Diariamente aparecem denúncias e descobertas que impõem a revisão do que se escreveu e permitem uma aproximação à verdade.” Nos Estados Unidos, existem pelo menos três organizações que se dedicam a estudar e, eventualmente, denunciar os conteúdos ensinados nas escolas e nas faculdades americanas. Elas dizem querer garantir a liberdade de pensamento e evitar a doutrinação, por parte dos professores, de qualquer crença, ideologia política ou convicção.

Recentemente, na Inglaterra, alguns pais se mostraram preocupados com a educação de seus filhos. De acordo com eles, o papel histórico do país como grande colonizador da Índia e de países africanos e sua participação nas duas guerras mundiais estariam sendo suavizados. A explicação para o abrandamento da História estaria no fato de que muitos indianos e africanos oriundos de ex-colônias britânicas estudam nas escolas inglesas. Rever a História e consertar no papel os possíveis excessos cometidos pela Inglaterra poderia evitar uma animosidade entre os alunos, impedir a exacerbação do nacionalismo nos imigrantes e da xenofobia nas demais crianças.

Mas talvez o maior exemplo de vigilância em relação aos livros didáticos seja dos alemães. “O governo é muito rigoroso com os livros com os quais as crianças vão estudar e com os professores que darão aulas”, diz Henning Suhr, assessor político da Fundação Konrad Adenauer. “Se algum professor disser que o nazismo não foi tão ruim, é imediatamente exonerado.” Demonstrações de nacionalismo, como o ato de cantar o hino nacional nas escolas, são vetadas.


QUEIXAS
Gabriel e a mãe, Mayra, com o volume de História da escola. “Neste livro, as pessoas já vêm julgadas e condenadas”, diz ela
Há quem diga que a ideologia nos livros didáticos não é um problema. “O viés esquerdista dos livros importa pouco”, afirma o sociólogo Alberto Carlos Almeida, diretor de planejamento da empresa de pesquisa Ipsos e autor do livro A Cabeça do Brasileiro. “Porque, à medida que a pessoa estuda, sua cabeça muda. Em geral, quem estuda mais tem uma visão menos estatizante.” Outro argumento de pensadores que minimizam o problema é que as fontes de informação no mundo atual são múltiplas e, por isso, contrabalançam qualquer viés na escola.

Mas, para milhões de crianças e jovens, isso não é verdade. “O material didático tem uma importância grande na formação do aluno pelo mero fato de ele ser, muitas vezes, o único livro com o qual a criança entrará em contato”, afirma a pedagoga Bárbara Freitag, da UnB. O conhecimento registrado no livro escolar também tem status maior que o da televisão, da internet ou mesmo da conversa com os pais. E, quanto mais nova é a criança, menos capacidade ela tem de questionar o que é mostrado no livro. “O didático representa para a criança a fonte do conhecimento valorizado pela sociedade”, afirma Ângela Soligo, coordenadora de pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Por isso, ela tende a acreditar piamente em tudo o que está ali. Aquele conteúdo é visto como absolutamente verdadeiro.” Alguns bons professores levam para a sala recortes de revistas e s jornais, filmes ou outros livros de referência. “Mas algumas vezes o professor usa o livro como bengala”, diz Bárbara.

Embora a supremacia do livro seja incontestável, a internet já começa a proporcionar conteúdos capazes de rivalizar com esse conhecimento. Sites como a Wikipédia apresentam informações cuja veracidade é equivalente à dos livros didáticos. O problema é que essa ainda é uma fonte de pesquisa restrita. “Poucos professores mandam seus alunos pesquisar na internet. E o número de alunos que efetivamente pesquisam é menor ainda”, afirma Vani Kenski, da USP, especialista em tecnologia da educação.

O dano que livros didáticos ruins podem causar ao país vai além da questão política. “Eles ensinam para crianças e jovens fatos que não são verdadeiros, distorcendo a finalidade da educação”, diz o cientista político Bolívar Lamounier. É nessa fase do ensino fundamental e do ensino médio que os jovens se interessam por questões políticas. “Se receberem uma informação distorcida, criarão uma visão de mundo também distorcida.”

“Se receberem uma informação distorcida, os alunos criarão uma visão de mundo também distorcida”
Bolívar Lamounier, cientista político
Segundo Bráulio Porto de Matos, da UnB, essa visão gera nas pessoas um sentimento de culpa indevida diante das riquezas advindas do próprio trabalho. “O sujeito vê que tem três carros na garagem e acha que tem de votar na esquerda porque aquilo é injusto”, diz. Para Matos, mais grave é o efeito na vida prática. “Quem analisa o mundo segundo uma ótica de conflito de classes tende a acreditar menos na iniciativa individual. No discurso da escola, mérito é um conceito burguês. E isso é visto como negativo.” Segundo Matos, essa educação desestimula as pessoas a empreender e a buscar o lucro como prêmio pelos esforços. “Esses livros não vão fazer uma revolução socialista no país, mas o Brasil fica mais pobre de perspectivas”, diz.

A presença de distorções em livros que, muitas vezes, passam pelo próprio crivo do MEC é um problema complexo. Mas pode ser resolvido. Lamounier aponta alguns caminhos. “Um deles seria criar comissões de análise mais pluralistas, com membros de diversas filosofias”, diz. “Outra estratégia seria convidar, para escrever os livros, pessoas com capacidade de expor os fatos de forma mais objetiva.” Para Marco Antonio Villa, historiador da Universidade Federal de São Carlos, o ideal seria haver uma profunda revisão dos livros. “A universidade precisa estar ligada a esse processo”, diz. “Livros didáticos não podem ser obras individuais, precisam ser coletivas.”


O discurso dos livros
Como é a História, segundo alguns dos livros didáticos e apostilas usados por alunos das escolas brasileiras



CAPÍTULO I
REVOLUÇÃO CHINESA
Em alguns livros, os autores apresentam a tomada do poder pelos socialistas, liderados por Mao Tsé-tung, e suas reformas. Mas omitem a repressão e o sistema ditatorial que dura até hoje.
O QUE DIZ
“Em janeiro de 1949, abandonado pelos que o protegiam (os Estados Unidos), Chiang Kai-shek foi derrotado por Mao Tsé-tung e refugiou-se em Taiwan, onde estabeleceu o seu governo. Triunfava assim a revolução comunista na China.” (História – Origens, Estruturas e Processos/Ensino Médio. Luiz Koshiba. São Paulo: Atual, 2000)

O QUE FALTA
Sob o regime de Mao Tsé-tung (1949-75), a China teve fome, pobreza e opressão. Estima-se que até 70 milhões de pessoas morreram. Segundo o livro Mao: a História Desconhecida, de Jung Chang e Jon Halliday, 38 milhões de pessoas morreram de fome e excesso de trabalho. Pelo menos 27 milhões morreram em campos de trabalhos forçados. Mais de 3 milhões tiveram mortes violentas. Outros 3 milhões foram executados, vítimas de linchamento ou se suicidaram. O país progrediu após a morte do líder, mas a ditadura permanece até hoje. A comunicação é apenas de fonte oficial do governo. A internet é censurada.

CAPÍTULO II
REVOLUÇÃO CUBANA
Os autores contam os resultados da revolução comunista em Cuba, mas não mencionam a censura, a opressão e a ditadura que permanecem até hoje.
O QUE DIZ
“A Revolução Cubana conseguiu eliminar o analfabetismo, reduzir a mortalidade infantil e o desemprego. Os trabalhadores tiveram acesso facilitado à moradia, à saúde pública e à alimentação.” (História 8, Projeto Araribá, Editora Moderna)
“(...) a guerrilha de Sierra Maestra não era socialista em sua origem, já que a Revolução Cubana foi uma luta armada contra um ditador, em cujo desfecho a sociedade se viu obrigada a optar pelo socialismo.” (História – Origens, Estruturas e Processos/Ensino Médio. Luiz Koshiba. São Paulo: Atual, 2000)

O QUE FALTA
A revolução cubana de Che Guevara e Fidel Castro determinou a opressão dos opositores ao novo regime e cerceou a liberdade da população. Até hoje os cubanos precisam de autorização do governo para sair do país. Não há eleição para presidente. Pelas ruas, circulam carros com décadas de uso. A população depende de vales para obter alimentos, roupas etc.

CAPÍTULO III
CONSUMO
Predomina a leitura de que o consumo é algo negativo, praticamente imposto pelos meios de comunicação. Não se fala que as pessoas vivem melhor em sociedades afluentes.
O QUE DIZ
“Um jovem hippie dos anos 60. Observe suas roupas. Descontraído, ele despreza a ‘sociedade de consumo’ que produziu as guerras, a pobreza, o endeusamento do dinheiro. Do outro lado, o yuppie, executivo dos anos 80 e 90, feliz com seu sucesso financeiro” (Nova História Crítica. Mario Furley Schmidt. São Paulo: Nova Geração, 2002)
“Ou as próprias preocupações foram induzidas pelo ‘marketing’, pela ‘propaganda’ e não refletem uma preocupação sobre o ato de consumir (o que você entende por ‘ato de consumir’?). O indivíduo ‘é reduzido ao papel de consumidor, sendo cobrado por uma espécie de obrigação moral e cívica de consumir’.” (apostila do programa Livro Público do Governo do Paraná, capítulo “Dinheiro Traz Felicidade”, Gisele Zambone)
“Muitas sociedades do Terceiro Mundo também sofreram influência de uma série de valores culturais externos. Hoje em dia, grande parte da moderna tecnologia de comunicação de massa (internet, cinema, televisão, revistas, jornais) projeta muitos valores que interessam às sociedades capitalistas mais desenvolvidas e às elites locais desses países: individualismo extremo, consumismo, ruptura das tradições locais, busca desenfreada do lucro etc.” (História Global – Brasil e Geral/Volume Único. Gilberto Cotrim. São Paulo: Saraiva, 2002)

O QUE FALTA
Em busca de lucros, as empresas inovam seu processo produtivo. A concorrência faz com que ofereçam cada vez mais produtos por preços menores. Bens de consumo – como geladeira, telefone, TV – se tornam acessíveis aos mais pobres e melhoram suas condições de vida.

CAPÍTULO IV
ECONOMIA CAPITALISTA
Predomina a versão de que o sistema capitalista aumenta a pobreza e a desigualdade – mesmo tendo os países capitalistas gerado maior prosperidade para suas populações.
O QUE DIZ
“No início do século XXI, os resultados práticos desse modelo (neoliberalismo) começaram a aparecer nas estatísticas, revelando o que seus críticos sabiam desde o princípio: o mercado, sem controle, não distribui renda nem riqueza, concentra-as nas mãos de uma minoria. Traduzindo: enriquece mais os ricos e empobrece mais os pobres.” (História do Brasil no Contexto da História Ocidental/Ensino Médio. Luiz Koshiba e Denise Pereira. São Paulo: Atual, 2003)
“Crie um exemplo de mais-valia, tomando por base alguma situação real de nossa sociedade capitalista.” (exercício proposto por História Temática: Terra e Propriedade, 7a série. Andrea Montellato, Conceição Cabrini, Roberto Catelli Junior. São Paulo: Scipione, 2005 – Coleção História Temática)

O QUE FALTA
A história oferece boas comparações de modelos econômicos. A Coréia do Sul enriquece com o capitalismo, e a do Norte mantém a pobreza, com altas taxas de mortalidade infantil e baixa expectativa de vida. A Alemanha Ocidental prosperou mais que a Oriental, comunista.

CAPÍTULO V
GLOBALIZAÇÃO
É apresentada como a nova forma de imperialismo. As nações ricas exploram as pobres. Falta dizer que a abertura de mercados também dá oportunidades aos países pobres.
CAPITALISMO
Uma loja da rede McDonald’s em Pequim. Mesmo países como a China abrem sua economia

O QUE DIZ
“A riqueza material produzida nos países que adotam o sistema capitalista não é distribuída de forma equilibrada entre as populações. É brutal o abismo existente entre as sociedades dos países ricos e as dos países pobres. Calcula-se que 80% da renda produzida no mundo concentra-se nas mãos de 15% da população do planeta, que vive nos países ricos.”
(História Global: Brasil e Geral/Volume Único. Gilberto Cotrim. São Paulo: Saraiva, 2002)
“Muitas sociedades do Terceiro Mundo também sofreram influência de uma série de valores culturais externos. Hoje em dia, grande parte da moderna tecnologia de comunicação de massa (internet, cinema, televisão, revistas, jornais) projeta muitos valores que interessam às sociedades capitalistas mais desenvolvidas e às elites locais desses países: individualismo extremo, consumismo, ruptura das tradições locais, busca desenfreada do lucro etc.” (Idem)
“A globalização tende, portanto, a elevar o número de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza, principalmente na América Latina, na Ásia e na África. O resultado tem sido a organização de movimentos de denúncia da globalização, como o Fórum Social Mundial.” (História 8, Projeto Araribá, Editora Moderna)
“Esse processo é denominado divisão internacional do trabalho e favoreceu os países detentores de tecnologia mais avançada, que podiam produzir bens de consumo a preços baixos. Os demais países ficaram condenados a colocar no mercado internacional apenas matérias-primas e produtos agrícolas. Esse processo agravou o abismo econômico que separa nações pobres e ricas.” (apostila com módulo de História do Sistema UNO de Ensino, de Nicolina Luiza de Petta)
“É o império da sociedade de consumo, perseguidora de maior produção, que continua a destruir o que resta de meio ambiente saudável no planeta. Cada vez mais destituída de solidariedade humana, essa sociedade consumista substitui a sociedade de cidadãos. É um mundo em que alguns são senhores do mercado e a esmagadora maioria, sua vítima; tanto uns como outros mais e mais desumanizados.” (apostila História 3 – coleção Anglo. Cláudio Vicentino e José Carlos Pires de Moura)

O QUE FALTA
A globalização beneficiou países periféricos, como China, Índia e Brasil, que atraíram grandes investimentos de empresas que geram emprego. Esses países também passaram a competir no mercado global com suas empresas. Dados da ONU mostram que, entre 1985 e 2000, o valor das exportações anuais de todos os países do mundo aumentou de US$ 1,9 trilhão para US$ 6,3 trilhões. A renda per capita dos países em desenvolvimento subiu, em média, 5% ao ano durante a década de 1990 – bem acima dos países desenvolvidos. Os Tigres Asiáticos ficaram ricos com a entrada no mundo globalizado.

CAPÍTULO VI
REFORMA AGRÁRIA
A reforma agrária é apresentada como solução para a concentração de terras no Brasil. Não se fala que o setor terciário urbano é que tende a absorver essa mão de obra.
INVASÃO
Membros do Movimento dos Sem Terra em propriedade privada

O QUE DIZ
“A luta pela posse da terra é uma guerra não concluída na América Latina.” (apostila com módulo de História do Sistema UNO de Ensino, de Nicolina Luiza de Petta)

O QUE FALTA
Existe um moderno setor de agronegócios no Brasil que gera um terço do PIB nacional e exige cada vez menos mão-de-obra. Por outro lado, a população brasileira é cada vez mais urbana e as oportunidades de emprego tendem a surgir no setor de serviços das cidades.

CAPÍTULO VII
VIVA A REVOLUÇÃO
A revolução armada é apresentada como solução justificável para acabar com a opressão. Os autores omitem que esses golpes costumam levar a ditaduras.
O QUE DIZ
“Uma vez que os poderosos beneficiários de qualquer sistema baseado na desigualdade social não estão dispostos a abrir mão espontaneamente de seus privilégios, o confronto violento é uma das possibilidades permanentes e inerentes a todo processo de mudança histórica estrutural, o que explica a importância do caráter militar das revoluções.” (História – Origens, Estruturas e Processos/Ensino Médio. Luiz Koshiba. São Paulo: Atual, 2000)
“No Rio Grande do Sul, mulheres aprendem a atirar – a busca pela terra prometida sempre se faz através de muita luta.” (Brasil: uma História em Construção/Volume 2. José Rivair de Macedo e Mariley Oliveira.
Editora do Brasil)

O QUE FALTA
Há 20 anos não há revoluções armadas no mundo. No Brasil, com a volta da democracia em 1985, os cidadãos têm mudado os rumos do país pelo voto. Já elegeram governos de direita e de esquerda. Países desenvolvidos, como os europeus, oscilam entre governos dos dois tipos dentro de seus regimes democráticos.

CAPÍTULO VIII
DOMINAÇÃO
Alguns livros didáticos do Estado do Paraná reduzem o mundo a um conflito entre as elites dominantes e os povos dominados.
O QUE DIZ
“Assim, há uma dominação ideológica que se desenvolve com a intenção de reproduzir a sociedade e fazer com que as regras e o lugar que cada um ocupa – os que dominam e os dominados – continue o mesmo (sic), ou que as mudanças ocorram dentro do controle daqueles que têm interesse em manter tudo como está.” (apostila do programa Livro Público do Governo do Paraná, Ideologia, Katya Picanço)
“Para o cientista político Norberto Bobbio (1909-2004), o uso da informação realizado pela indústria cultural produz doutrinação, uma vez que dita o que será veiculado pela mídia, filtrando o que será produzido e impedindo a difusão da cultura popular e a crítica à cultura dominante.” (apostila do programa Livro Público do Governo do Paraná, O Estado Imperialista e Sua Crise, Altair Bonini e Marli Francisco)

O QUE FALTA
As pessoas exercem vários papéis nas sociedades democráticas. As elites no governo são eleitas pela própria população. Os consumidores têm cada vez mais poder sobre as empresas, exigindo que seus direitos sejam respeitados e cumpridos. Pela bolsa de valores, os cidadãos podem ser acionistas das grandes empresas, obtendo parte dos lucros.

CAPÍTULO IX
O IMPÉRIO AMERICANO
Os Estados Unidos são apresentados como um império de influências negativas. Não se fala da história de independência, democracia e direitos humanos do país.
O QUE DIZ
“Como se livrar da dependência dos USA?” (Brasil: uma História em Construção/Volume 2. José Rivair de Macedo e Mariley Oliveira.
Editora do Brasil)
“Os EUA logo após o fim da Guerra Fria passaram a ser considerados a única superpotência mundial, um império implacável, hegemônico, com interferência em muitas partes do mundo, apologista da globalização ou da mundialização do capitalismo. O ataque às torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001, além de mostrar aos EUA que eles também são vulneráveis, significou um enfrentamento ao imperialismo norte-americano.” (apostila do programa Livro Público do Governo do Paraná, O Estado Imperialista e Sua Crise, Altair Bonini e Marli Francisco)

O QUE FALTA
Os Estados Unidos têm uma das mais antigas e sólidas democracias do mundo. Sua influência em outros países se deve também à pujança de sua economia, alcançada graças a um sistema que incentiva a inovação constante – e que permite a criação de novas tecnologias, como internet, ou remédios. A globalização é um fenômeno irreversível e com muitos aspectos positivos, como o investimento de países mais ricos nos mais pobres. A vitória do capitalismo deve-se ao fracasso dos regimes socialistas, de economia planejada, que resultou no fim da Guerra Fria. Se não tivesse produzido mais ganhos que perdas, o capitalismo estaria em extinção.



Quem escolhe os livros didáticos
Como o material é avaliado nas redes pública e privada
O autor escreve o livro didático. A cada três anos, as editoras encaminham suas coleções para avaliação do Ministério da Educação. No ano passado, 13 editoras inscreveram 587 coleções
NAS ESCOLAS PÚBLICAS
1 - O MEC envia esses livros para universidades públicas. Cada disciplina vai para uma universidade, que monta uma banca de professores da área para avaliar o conteúdo
2 - As universidades têm seis meses para elaborar um parecer justificando quais livros serão aprovados e excluídos. Além de um documento com recomendações e ressalvas para auxiliar o professor na escolha dos livros aprovados
3 - Entre março e abril, o MEC divulga a lista dos aprovados. E envia a justificativa de exclusão dos não aprovados para as editoras
4 - A lista fica na internet e as escolas públicas escolhem, com os professores, os livros que vão usar
5 - O MEC compra os livros e, no início do ano seguinte, eles estão nas mãos dos alunos
NAS ESCOLAS PARTICULARES
1 - Vendedores das editoras mostram os livros nas escolas particulares
2 - A maioria das escolas usa como referência a lista de aprovados pelo MEC, por opção própria
APOSTILAS
Algumas escolas do país usam sistemas de apostilas feitas por grandes empresas de educação como Objetivo, Anglo, Pitágoras, UNO e Positivo.
O material feito por essas editoras nem passa pelo MEC





7- Blog do Nassif

Luis Nassif – On Line – Blog do Nassif In: http://www.projetobr.com.br/blog/5.html

22/10/07 17:42

O "Fantástico" e a visão transgressora da história


Da Biblioteca Nacional

6/10/2007

É muita história? Quadro do Fantástico sobre História do Brasil é criticado por historiadores, mas na rua o povo gosta Catharina Wrede

Todo domingo à noite, um novo episódio de ficção sobre a História do Brasil invade as telas de milhões de brasileiros. Ficção? Essa era a opinião da funcionária pública Maria de Fátima Leão, de 45 anos, sobre o quadro “É Muita História”, do programa Fantástico, da Rede Globo. A telespectadora conta que se surpreendeu quando o programa informou estar comprometido com a verdade: afinal, Dom Pedro I proclamou a independência do Brasil porque teve “um dia de fúria”.

Apresentado pelo jornalista e escritor Eduardo Bueno e pelo jornalista Pedro Bial, o quadro tem o intuito de aproximar a História do Brasil do povo e torná-la interessante aos seus olhos. Mas o resultado é polêmico entre professores e historiadores. Até que ponto a bem-sucedida iniciativa da dupla compromete o conhecimento histórico produzido nas Universidades?

A Associação Nacional de Professores Universitários de História (Anpuh) vem discutindo a questão. Para Manoel Salgado Guimarães, presidente da Associação que congrega dez mil historiadores, o problema não é a popularização da História, que considera necessária, mas sim o tom do programa.

“A forma como a História é transmitida no programa é que nos irrita na Anpuh. O tom é sempre de galhofa. Parece, pelo quadro, que fazer História é uma pilhéria. Por que só conseguimos lidar com o nosso passado dessa maneira? Por que não uma abordagem séria dos fatos, com múltiplas visões que ampliem os horizontes do público? O programa se prende a um tipo de divulgação que a historiografia já rompeu há muito tempo”, analisa Manoel Salgado.

Para a aluna de História da PUC-Rio Patrícia Costa Grigorio, o programa é uma “criação infeliz” e não atinge a meta de levar conhecimento para a população.

“O quadro me parece mais uma atração humorística ou de entretenimento que tem como pano de fundo alguns fatos e personagens históricos, mas não problematiza as várias visões historiográficas”, diz.

Eduardo Bueno explica que ele, Bial e João Carrascosa buscaram fazer uma seleção que se equilibrasse entre datas nacionais (Independência, República e Abolição), temas conhecidos (Tiradentes, chegada da Família Real e Brasil holandês) com eventos menos estudados, como França Antártica e bandeirantes. A série termina com pré-história. "Esse episódio nos permitiu indagar quem, como e quando decidiu o que era história o que não era. Ainda não vi esse episódio montado, - e eles mudam muito na edição - mas na gravação foi meu favorito", conta.

A produção do “É Muita História” é de alto nível. Não há como não reconhecer a boa pesquisa feita para a elaboração dos episódios, os ricos recursos visuais, a cenografia, montagem e os temas, que até agora foram seis: independência do Brasil, o boi voador de Maurício de Nassau, Tiradentes, a França Antártica, os Bandeirantes e a República. Mas será que tais recursos são suficientes para se fazer um programa de qualidade?

Na opinião do professor de História do Brasil Colônia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Jean Marcel Carvalho França, Bueno apresenta uma visão "riponga e debochada" da história. "É uma visão marcadamente anos 70, transgressora, que lembra o Hélio Oiticica dizendo 'Sou marginal, sou herói'", compara. Para ele, a dupla de jornalistas faz uma "má história" com recortes de "fait divers" sem relevância. Além disso, Carvalho França não vê nada de inovador no quadro e diz que o desejado diálogo da história com o público não acontece.

As críticas negativas sobre o programa perturbam Bueno. “Não tenho muita paciência para responder críticas de quem ainda não percebeu o espírito do quadro, nem seu imenso, gigantesco, oceânico, monumental valor”, afirma, sem perder o estilo irônico.



8- Da série: a subjetividade da história


Por Alberto Dines em 22/10/2007

Comentário para o programa de rádio do OI de 22/10/07

"Os livros didáticos refletem ou distorcem a realidade?" Esta é a pergunta da capa da última edição da revista Época.

A matéria é de certa forma uma continuação do debate suscitado por um oportuno artigo do jornalista Ali Kamel publicado há um mês em O Globo. Depois de examinar a matéria da revista fica-se com vontade de mudar a pergunta: "Nossa imprensa reflete ou distorce a realidade?"

(...) Mas a bomba está escondida no fascículo do "Guia Época de Vestibular" que acompanha a revista e foi preparado por uma empresa privada.

O fascículo trata do Oriente Médio e nele constam erros grosseiros, impropriedades e, sobretudo, graves preconceitos dos seus autores. Principais erros do fascículo 9, "O Oriente Médio em Pé de Guerra":

** O destino da região não foi selado em 1918 "por uma intervenção franco-britânica". Foi o fim do império otomano que produziu um redesenho do mapa regional não apenas na Palestina, mas também no Líbano, Síria, Iraque, margem oriental do rio Jordão e península arábica.

** O sionismo não foi fundado pelo jornalista Theodore Herzel (o nome correto é Theodor Herzl), ele criou o sionismo político. O movimento de massas dos "amantes de Sion" é anterior ao projeto do jornalista.

** Dizer que o "organizado sionismo contava com forte retaguarda financeira de banqueiros judeus de Londres" é uma mistificação. Equivale a dizer que a luta dos palestinos por seu estado só conta com a forte retaguarda dos sheiks do petróleo.

** A Declaração Balfour para a criação de um Lar Nacional Judeu na Palestina não criou o problema, tratou-se de promessa da potência mandatária. O desrespeito à decisão da ONU votada em Novembro de 1947 de partilhar a Palestina em dois estados foi a responsável pelos problemas que se arrastam até hoje.

** É um perigoso eufemismo afirmar que em 1948 "os árabes não aceitaram aquilo que denunciavam como um corpo estranho no mundo árabe". Os cinco países que invadiram simultaneamente o estado de Israel recém-proclamado estavam contrariando uma decisão da Assembléia Geral das Nações Unidas.

** Os palestinos não foram expropriados das suas terras em 1948. Os palestinos foram vítimas de uma agressão perpetrada pelo Egito, Iraque, Transjordania, Síria e Líbano. Além da tentativa de aniquilamento do Estado de Israel, Jerusalém (que, segundo a ONU, deveria ser internacionalizada) foi parcialmente ocupada pela Transjordania.

** Qual a razão do adjetivo "legendário" para designar Yasser Arafat? Foi o incentivador do moderno terrorismo que até hoje ensangüenta a região e ao que consta acumulou indevidamente uma grande fortuna. E por que razão David Ben Gurion também não ganhou um adjetivo simpático?

** No mapa da página 3 do fascículo sobre a Partilha da Palestina a margem oriental do rio Jordão é mencionada como Jordânia. Na ocasião era Transjordania. Ao invadir território palestino o reino passou a chamar-se Jordânia.

Os fascículos do Guia Época de Vestibular foram desenvolvidos para a Editora Globo pelo UNO Sistema de Ensino, da Editora Moderna.

Se o governo não pode distribuir livros didáticos errados, a imprensa que critica o governo deveria estar mais atenta ao assumir o papel de educadora.

Comentário

Tenho uma ótima história sobre a Declaração de Balfour, envolvendo judeus ilustres brasileiros, mas que está guardada para meu próximo livro.



enviada por Luis Nassif


2. Debate de setembro de 2001

     O jornal Folha de São Paulo produziu uma matéria e um editorial a respeito do conteúdo dos livros didáticos de história e nós da Sobenh (Sociedade Brasileira de Ensino de História), estamos propondo uma reflexão sobre o livro didático, tema tão polêmico dentro da educação, como também sobre como o jornalismo aborda esse tema. Para fomentar o debate, encontra-se reproduzido aqui a reportagem e o editorial do dito jornal, com a opinião de várias pessoas envolvidas com o assunto. Reproduzimos também o texto resposta , de Cláudio Vicentino, um dos autores que teve seu livro citado na reportagem.
Jornal Folha de São Paulo do dia 5 de setembro de 2001, Caderno Cotidiano, p. C-9

EDUCAÇÃO - Para pesquisadores, publicações defasadas mostram negros como objetos e ignoram seu papel de agentes sociais

Livros didáticos distorcem história do país
Antônio Gois

A história do Brasil ensinada para crianças e adolescentes nos bancos escolares e livros didáticos pode não ser a mesma que os principais historiadores contemporâneos conhecem.

Para historiadores ouvidos pela Folha, conteúdos desatualizados em relação em pesquisas acadêmicas e vícios como visões "engajadas" da história são comumente encontrados em livros didáticos e disseminados em sala de aula.

Para os historiador da UFRJ ( Universidade Federal do Rio de Janeiro) Manolo Garcia Florentino, autor de livros e pesquisas sobre o Brasil colonial, há uma praga do "politicamente correto" nos livros didáticos que, muitas vezes, acaba provocando efeito inverso ao pretendido pelo autor.

Florentino que ganhou prêmio do Arquivo Nacional de Pesquisa por suas pesquisas sobre escravidão no Brasil, cita como exemplo mais claro disso a forma como o negro é tratado em livros didáticos. Segundo ele, os livros, mesmo os mais politicamente corretos, acabam tratando o negro como objeto. "As figuras nos livros, salvo raríssimas exceções, mostram sempre o negro apanhando, em uma situação constrangedora em relação ao branco" diz.

Para Florentino, não se trata de "florear" a história da escravidão no Brasil. "O problema é que os livros ignoram os caso de ascensão social de negros. Há registros de negros que se tornaram livres e compravam escravos".

Apesar desses casos não serem regra no Brasil colonial, Florentino acha importante citá-los por uma questão de formação da identidade negra. "Que criança vai querer se identificar com uma figura que só apanha?"

O historiador Holien Gonçalves Beserra, coordenador da comissão técnica de avaliação dos livros didáticos de história do Ministério da Educação, concorda com Florentino, mas afirma que a situação vem melhorando. "Havia uma defasagem enorme, principalmente na história da escravidão brasileira, dos livros em relação às pesquisas acadêmicas. Os autores raramente tratavam o negro como agente social".

Para Luiz Felipe de Alencastro, professor-catedrático de história do Brasil na Universidade de Paris 4 ( Sorbonne ), na França, nem todos os defeitos dos livros didáticos são de responsabilidade de seus autores. "A sociedade é conservadora e antipobre e não se interessa em conhecer a situação de vida de um bóia-fria, por exemplo. Duvido que algum livro didático traga informações sobre empregadas domesticas exploradas em casas da classe média", diz.

Para Alencastro, o fato de livros didáticos não abordarem temas importantes - como a história da África, por exemplo - se deve ao desinteresse da academia por certos assuntos.

Vânia Leite Fróes, professora da UFF ( Universidade Federal Fluminense ) que presidiu o 21º Simpósio de História da Anpuh ( Associação Nacional de História ), afirma que, muitas vezes, a universidade falha na divulgação de suas pesquisas. "A universidade fica fechada como um gueto".

"Embora esteja tentando mudar, a universidade tem um processo de fechamento e de falha na divulgação de suas pesquisas para professores e autores de livros. Por políticas equivocadas, ela fica fechada como um gueto", afirma a Vânia.

Florentino cita também como explicação para esse fenômeno o preconceito dos pesquisadores: "Ele preferem publicar teses a trabalhar com livros didáticos".

A HISTÓRIA CONTADA NOS LIVROS DIDÁTICOS
 
Família Colonial
O que está nos livros:
Trecho de livro didático "História Integrada", da editora Scipione, para a 6º série do ensino fundamental:
"Durante o ciclo da cana-de-açúcar, (...) a autoridade do Senhor da casa-grande era absoluta, estando as mulheres submetidas a um papel subordinado"
Os fatos:
o modelo patriarcal, muito estudado pelo sociólogo Gilberto Freyre, não era regra, por exemplo, em São Paulo, onde há registros de mulheres que comandavam a família enquanto seus maridos, os bandeirantes, ficavam anos fora de casa.
 

Guerra do Paraguai

O que está nos livros:
Trecho do livro "História e Reflexão", da editora Saraiva, para a 7º série do ensino fundamental, sobre a guerra do Paraguai: "Desde sua independência, em 1811, o Paraguai começou a se desenvolver de um modo diferente. Para isso, distribuiu terra aos camponeses, combateu a oligarquia rural improdutiva, construiu inúmeras escolas para o povo. Francisco Solano Lopez prosseguiu a obra de seu pai de construir no Paraguai um país forte e soberanos, livre da exploração do capitalismo internacional"

Os fatos:
Otexto coloca os presidentes paraguaios Antônio Carlos Lopez e Solano Lopez como heróis que lutavam contra o imperialismo inglês. Para muitos historiadores, inclusive paraguaios, eles eram caudilhos e ditadores
 
Escravos

O que está nos livros:
Na história do Brasil Colonial, o negro aparece nos livros, com raríssimas exceções, como escravos. Trecho do livro "História Integrada", da editora Scipione, para 6º série: "A vida do escravo é um inferno. Os africanos são arrancados de sua terra de origem e trazidos como gado em navios. Sua vida na colônia é ainda pior: têm uma existência amarga e penosa"

Os fatos:
Pesquisas mostram que havia negros que ascendiam socialmente e constituíam famílias estáveis mesmo no período da escravidão.
 
África

O que está nos livros:
Em geral, os livros tratam os negros vindos para o Brasil por meio do tráfico de escravos como "africanos", sem diferenciá-los culturalmente e com poucas referências aos seus hábitos e maios de vida

Os fatos:
O Brasil é considerado o segundo maior país negro do mundo, atrás apenas da Nigéria. No entanto, fala-se muito pouco da história da África e de sua influência no Brasil.


Autor afirma que não existe verdade absoluta
da sucursal do Rio

Para o autor do livro "História e Reflexão", Gilberto Contrim, não existe verdades absolutas, prontas e acabadas quando se trabalha com história.

"Mais do que falar em verdade, se fala em versões. Eu trouxe um versão da Guerra do Paraguai baseada em pesquisas acadêmicas como a do argentino León Poner, que mostra que o conflito foi fomentado pelo capitalismo inglês com o objetivo de destruir um país que buscava o desenvolvimento autônomo", diz Cotrim.

Ele dá um exemplo de outra versão da história do Paraguai, comum nos livros antes da década de 70, colocando o presidente paraguaio, Solano Lopez, como o vilão do conflito, e enaltecendo brasileiros como Duque de Caxias.

O autor afirma também que a maneira como os livros didáticos tratam da escravidão e da vida social do negro tem evoluído. "A inclusão de exemplos de revoltas negras já é uma prática comum nos livros. Os autores estão dando mais exemplos da vida social dos escravos", diz, citando como exemplo um livro produzido por ele, "Saber e Fazer".

De acordo com a autora Sônia Irene do Carmo, as críticas de pesquisadores aos livros didáticos nem sempre levam em conta que há um limite para a atualização das publicações.

"O livro didático tem um limite que é dado pela capacidade de ser trabalhado no período de um ano letivo, com "x" número de horas aulas semanais. Esse limite é incompatível com as exigências que se fazem", afirma.

A Folha entrou em contato com a assessoria de imprensa da editora Scipione, que publicou o livro "História Integrada", de Cláudio Vicentino, citado no quadro que acompanha esta reportagem. No entando, até o fechamento desta edição, Vicentino não havia procurado a redação.


Professora critica descontextualização
da sucursal do Rio

A praga do politicamente correto nos livros didáticos muitas vezes descontextualiza fatos e personagens históricos. Essa é a opinião da professora Vânia Leite Fróes, da UFF ( Universidade Federal Fluminense ).

Vânia pesquisa principalmente o período medieval e aponta como um dos erros mais comuns dos livros didáticos a interpretação anacrônica de fatos históricos. "Muitos livros tratam personagens históricos mulheres como precursoras de um feminismo. É absurdo você falar dessa visão na Idade Média. Essa é uma problemática que surge para o historiador nos anos 60", diz.

Um exemplo citado por Vânia é o tratamento dado para Heloísa, cuja história ficou conhecida como a de um amor proibido com Abelardo. "Dizer que Heloísa era feminista reflete uma concepção da história mascarada pelo politicamente correto", diz.

Além do politicamente correto, os historiadores citam casos em que a história é ensinada de maneira "engajada", como o da Guerra do Paraguai ( 1865-1870 ). "Em geral, o presidente paraguaio na guerra, Solano López, é tratado como herói progressista, portador de uma luta antiimperialista. Muitos historiadores paraguaios até acham graça dessa visão de um caudilho sul-americano ", afirma o pesquisador Manolo Florentino, da UFRJ.

A reportagem da Folha encontrou exemplo dessa visão da Guerra do Paraguai no livro "História e Reflexão", de Gilberto Cotrim, editado pela editora Saraiva.


África é ignorada, diz pesquisador
da sucursal do Rio

Para o historiador Luiz Felipe de Alencastro, a superficialidade com que os livros didáticos tratam da história da África, e suas influências sobre o Brasil, não pode ser creditada apenas aos autores dessas publicações.

"Recentemente, promovemos na USP ( Universidade de São Paulo ) dois concursos para interessados em pesquisar a história da África. Nos dois caso, apenas uma pessoa se apresentou. Há um desinteresse geral da academia pelo tema e isso acaba se refletindo nos livros didáticos".

Alencastro recebeu no mês passado um prêmio por seu livro "O Trato dos Viventes - Formação do Brasil no Atlântico Sul", em que retrata a importância de fatos históricos ocorridos no continente africano para a formação econômica do Brasil.

Para ele, há uma tendência dos historiadores do país de limitar as pesquisas ao território colonial brasileiro. "É uma visão territorial e anacrônica da história do Brasil, como se a idéia de nação sempre existisse na colônia".


Abaixo estamos reproduzindo o texto-resposta de Cláudio Vicentino, um dos autores que teve seu livro citado na reportagem.

Quarta-feira, 5 de setembro de 2001

Estou recorrendo ao Ombudsman por um erro prejudicial ao meu nome na reportagem do jornalista Antônio Gois do dia 05/09/2001, página C 9. Na reportagem foi afirmado em seu final o seguinte: "A Folha entrou em contato com a assessoria de imprensa da editora Scipione, que publicou o livro História Integrada de Cláudio Vicentino, citado no quadro que acompanha esta reportagem. No entanto, até o fechamento desta edição, Vicentino não havia procurado a redação."

Como destaco abaixo, em texto igual ao enviado ao Painel do Leitor da Folha de São Paulo, não poderia ter procurado a redação da Folha pois nada sabia sobre a reportagem. Surpreendido ao ler a reportagem no dia 05/09/01, recorri à editora que, segundo ela, foi procurada para uma matéria sobre avaliação de livros didáticos de história. Como meus livros não tinham sido avaliados no último PNLD, foi encerrado o assunto tanto pela editora como pelo jornalista. Também telefonei para o jornalista responsável pela matéria, Antônio Gois, que, ao que pareceu, admitiu muito cordialmente que houveram desencontros, não permitindo que eu fosse contatado e participasse daquela reportagem. Dessa forma, acredito que tal citação em que me responsabilizou pela não participação constituiu não apenas um erro mas também uma afirmação comprometedora.

Antes de reproduzir o email enviado ao Painel do Leitor, gostaria ainda de acrescentar o descompasso entre a manchete (o título da reportagem: "Livros didáticos distorcem história do país") e a matéria em si. Segundo Antônio Gois, a manchete não era de sua responsabilidade, pois tinha sido elaborada em São Paulo, concordando com o exagero e sua falta de sentido (ao que pareceu). Ao contrário da matéria, bastante equilibrada, ouvindo vários lados e atendendo diversas posições polêmicas quanto ao assunto referente aos livros didáticos, a manchete resumia com uma simplificação rasteira. Mais do que isso, assumia uma posição quanto à possibilidade (ou existência) de uma única história (a não distorcida).

Texto enviado ao Painel do Leitor

Gostaria de desfazer um equívoco publicado na matéria do jornalista Antônio Gois no caderno Cotidiano do dia 05/09/2001, página C 9. Ali foi afirmado que eu deixei de atender uma solicitação da reportagem da Folha de São Paulo, não procurando a redação do jornal. De fato, não poderia fazê-lo, pois desconhecia completamente tal reportagem e a solicitação. Num assunto tão importante quanto polêmico sobre os livros didáticos, gostaria muito de ter opinado. Mesmo assim, reafirmo minha disposição para outras oportunidades. Certamente a matéria de Antônio Gois abre espaço importante de discussão sobre o ensino de história, ficando longe de esgotar o assunto. O tempo de uma única história, de uma história verdadeira, indiscutível e isenta não convence mais ninguém, muito menos os jovens que tantos ainda teimam em tratá-los como eternas crianças. Professores e estudantes há muito repudiam a idéia de um livro didático oficial, portador de certezas indiscutíveis. Sobre a História efetiva, aquela que se faz na realidade concreta em que todos somos agentes, a História com H maiúsculo, vale lembrar que as distorções das perspectivas do nosso país e das atuações afirmativas para o conjunto da população brasileira continuam vivas, fortes e se escondendo num relativismo maroto, nem isentas e nem convincentes. Assim, bem além daquela manchete da reportagem ("Livros didáticos distorcem história do país") estão elites e alguns intelectuais aliados que continuam distorcendo a História (com H maiúsculo) de todos nós brasileiros.


Abaixo apresentamos o editorial publicado no mesmo jornal, Folha de São Paulo, do dia 09 de setembro de 2001, por tanto, quatro dias depois da matéria ter sido publicada e três dias depois de terem recebido a resposta do autor.

História e Verdade

Embora muitos acreditem que a história seja a ciência dos fatos relativos à vida de um povo, é fenômeno relativamente comum que, de um mesmo evento, dois historiadores extraiam teses diametralmente opostos. Livros didáticos de história, como mostrou reportagem publicada pela Folha na semana passada, não escapam a essa tendência.

Atualmente, um livro brasileiro pode ser criticado seja por tratar Francisco Solano López como líder paraguaio que desejava construir um país forte e soberano seja por tratar todos os grupos étnicos de negros que aqui chegaram apenas com "africanos".

São críticas que, diga-se, fazem algum sentido. Quando se comenta a história da Guerra do Paraguai, é sem sombra de dúvida importante indicar que Solano López se opunha ao imperialismo inglês, mas não dá para deixar de mencionar que o homem era um caudilho.

Analogamente, é simplificação preconceituosa tratar como iguais todos os tipos de negros que vieram ao Brasil sem nem tentar mencionar que havia principalmente bantos e sudaneses, que, por sua vez, se subdividem em várias dezenas de etnias. É realmente desconcertante que o Brasil, a segunda maior nação negra do planeta, menor apenas do que a Nigéria, insista em ignorar tão olimpicamente a história africana.

Reparos à parte, convém registra que houve uma evolução importante. Não muitos anos atrás, os livros escolares ainda enalteciam o duque de Caxias como grande herói nacional. Embora o patrono do Exército brasileiro tenha cumprido a missão que lhe foi dada e possa ainda hoje ser considerado um herói, atualmente questiona-se o papel do Brasil num conflito com contornos genocidas como foi a Guerra do Paraguai.

Toda "verdade" histórica é antes de mais nada um versão para um conjunto de fatos. Essa é uma concepção de história bastante disseminada hoje, no que representou significativo avanço em relação aos tempos em que se acreditava numa história neutra, objetiva e baseada unicamente em fatos indisputáveis.

O risco da interpretação mais moderna é desembocar no desprezo pelo fato. Se tudo é uma questão de juízos, de ideologia, então por que o autor não fica apenas com sua tese e adapta os fatos a ela? De certo modo, isso ocorre. E não se pode afirmar que os historiadores que seguiram exclusivamente essa linha tenham trazido uma grande contribuição para a ciência histórica. O que trouxeram foi falsificação, às vezes consciente, às vezes não. Às vezes evidente, às vezes não.

Existe, obviamente, uma grande e interminável discussão teórica, que deveria, em algum grau, estar presente nos próprios livros didáticos. O fato ( se ainda é lícito falar em fato ) é que, pela diversidade de interpretação hoje à disposição de alunos e de professores, ficou mais fácil começar a entender história. Existe aqui um pouco do que Hegel chamou de dialética.








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