SBPC, a Ciência e o Professor Entre os dias 13 e 18 de julho de 2001, aconteceu em Salvador, na Bahia, a 53ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC. Estiveram reunidas cerca de 25.000 pessoas ligadas à produção científica no Brasil, de estudantes secundaristas a professores doutores das principais universidades brasileiras, todos envolvidos em alguma esfera da produção científica. Algumas conclusões são de interesse para uma breve avaliação da ciência brasileira. Em primeiro lugar vale perceber a contradição que tal reunião causou frente a Salvador, cidade que à abrigou. Em uma cidade cuja presença do negro e dos mestiços é absolutamente predominante não pôde deixar de ser percebida a segregação que impera nos mais altos estratos da educação e ciência nacionais; éramos uma ilha rosada, horrivelmente rosada em Salvador. Tal estranhamento se fez ainda mais presente nas raras intervenções desta população excluída, vale dizer, nas apresentações folclóricas e musicais. Mais uma vez a ciência brasileira tentou colocar o negro no lugar que acredita ser o dele: o do mero ilustrativo, um adereço, exótico e legítimo "produto nacional". Outro estranhamento, não tão estranho assim se confrontado com o quadro da educação superior neste país, foi o causado pela notória ausência das Universidades privadas, comprovando mais uma vez o desinteresse e o caráter mercantilista da maioria destas instituições. O espaço e as discussões foram novamente monopolizados pelas instituições públicas, estaduais e federais principalmente. Isto de certa forma nos faz relativizar o tamanho deste encontro, 25.000 pessoas é muito menos do que poderíamos e menos ainda do que deveríamos reunir para garantir um desenvolvimento seguro, em liberdade e igualitário do país. Outro abismo perceptível foi a das discussões sobre ética e comprometimento social da ciência; nos preocupamos muito mais com dutos de petróleo e satélites artificiais do que discutir tecnologias alternativas e distribuição dos benefícios gerados pela ciência. As ciências humanas por sua vez permaneceram em sua posição de dialogarem somente entre si quando muito, preferem ficar fechadas em seus encontros de área a se relacionarem com pessoas e idéias de outros campos, um cientista humano se sente um tanto quanto deslocado neste contexto e faz-se um esforço extra para penetrar sozinho em áreas de conhecimento que lhe são distantes, mesmo assim a tarefa é fundamental e enriquecedora. Entretanto a SBPC não foi feita somente de falhas e equívocos, muito pelo contrário, vários aspectos positivos podem ser levantados. Nossa capacidade de resistência é por si só um fato digno de nota; apesar de toda campanha contra a ciência e educação que se faz neste país, resistimos cotidianamente, mostrando que somos criativos, curiosos e gostamos sim de ciência, basta para isso termos condições, acesso. Cativante é o trabalho desenvolvido pela SBPC Jovem, braço voltado para a inserção de jovens do ensino médio na aventura da ciência, no processo de descoberta do mundo e de sua melhoria. Escolas do interior do nordeste, de São Paulo e de tantos outros lugares que buscam com seus alunos produzir uma nova geração de cientistas comprometidos com a sociedade, com o desenvolvimento democrático e igual dos seres humanos, e mais do que isso procurando recuperar sua identidade através de soluções regionais para os problemas. Sinceramente muito mais belo de se ver é a menina de 12 anos do interior de Pernambuco preocupada com a criação de meios para recuperar uma lagoa poluída de sua cidade do que meia dúzia de Doutores discutindo a criação de novas tecnologias a base de energia nuclear. Outra presença importante de se notar é a das instituições que realizam uma luta diária a favor da qualidade de vida e das demandas dos setores mais desfavorecidos da sociedade, cito aqui o exemplo da FIOCRUZ, a Fundação Oswaldo Cruz, que abnegada, busca a produção de medicamentos e vacinas que atendam principalmente aqueles que foram excluídos e que não tem o "perfil" para serem enxergados pelos grandes laboratórios farmacêuticos. Por fim, e talvez de maior importância, devemos relacionar a importância da participação nestes encontros de professores que trabalham no ensino médio e fundamental. A prefeitura da cidade de Recife ousou ao investir em um programa que raramente seria imaginado em qualquer outra circunstância. A secretaria de educação proporcionou a ida de 2.700 professores da rede municipal de ensino para a Reunião da SBPC. Cabe-nos perguntar: Qual é a importância de uma medida como esta? Em primeiro lugar lembramos o óbvio, o contato com a vanguarda da produção científica proporciona uma lufada de ar fresco em nossas formações, indica-nos os caminhos e as sendas que estão sendo abertas nos campos mais diversos do conhecimento humano, fazem-nos refletir sobre os assuntos que estão sendo discutidos e sobre os que deveriam estar sendo discutidos e não estão. Além disso possibilita o intercâmbio, o contato com pessoas não somente de outras localidades como de outras áreas, ou seja, ampliam nosso campo de percepção do mundo e fornecem visões diversas sobre os mesmos temas, visões que se chocam, se contrapõem e se completam. Paralelamente estes encontros ajudam a renovar nossa crença em uma ciência comprometida com o ser humano, ajuda-nos a levarmos para nossas escolar o deslumbramento com o ser humano e com o universo que nos cerca, passo fundamental para incutirmos em nossos alunos este mesmo gosto. Não há ciência sem este fascínio, e em grande parte é função do professor e do educador auxiliar a criança e o jovem neste processo de aproximação com a experimentação, com gosto pelo raciocínio, pelas descobertas. Vale, a título de lembrança, dizer que as metas e os desafios educacionais que se expõem neste momento não dizem respeito aos conteúdos mas ao método e as metas educacionais. A aprendizagem continuada, a formação do agente transformador da sociedade, a aprendizagem do convívio e a recuperação da identidade são pontos chave neste debate, e tratando especificamente da realidade brasileira e da SBPC este último ponto nos diz algo em especial. O tema do encontro foi "Nação e Diversidade", isto por si só abre muitas sendas a serem estudadas mas, acima de tudo, é importante ressaltar que tal tema não foi escolhido acidentalmente. O Brasil como estado jovem ainda tem muito que entender sobre si, um estado que foi formado graças a um projeto elitista, que nasceu antes da nação, que reuniu em seu interior grupos diversos e não necessariamente partidários deste projeto. Em suma a questão de identidade ainda é tema aberto e premente para o Brasil, e ainda mais no contexto atual no qual as culturas, as particularidades são diariamente vítimas de uma tentativa de desconstrução. Talvez seja redundante dizer que é um processo que atinge, sobretudo, os chamados países "em desenvolvimento" que vêem suas culturas menorizadas e relacionadas diretamente à situação de subdesenvolvimento que vivem ante ao progresso e esplendor da "civilização" dos países ricos. Creio que tais apontamentos sejam suficientes para perceber-se a importância da participação de professores do ensino médio e fundamental nestes eventos: atualiza-se o conhecimento, insere-nos nas discussões, provoca-nos a reflexão e, acima de tudo, reforça nossa curiosidade, nosso deslumbre pelo universo do conhecimento e da ciência. E na ponta do processo surgem os grandes beneficiários: crianças e jovens que, se não tem acesso a produção científica de ponta, saberão de sua importância, e mais além, da necessidade de se lutar constantemente para que a ciência seja também um direito fundamental de cada cidadão, em sua produção e na sua destinação. |